segunda-feira, 21 de maio de 2007

E agora para um momento poético

Requiem

nas castelhanas fronteiras as televisões
e a Imprensa em geral
da séria até àquela que ninguém leva a mal
acotovelam-se rente aos penhascos à beira dos
precipícios
entre os satélites e as bifanas
que o caso outorgou aos comerciantes de olho
para o negócio. do país havido ninguém sabe
desapareceu
ninguém viu e já poucos querem saber –
confessa uma velha espanhola enquanto assegura
aos jornalistas que há muito o via mal parado
à deriva assim mais ou menos como no livro
do Saramago – se o jornalista lera?
a verdade
é que desta feita como helena – e se como ela era belo
o país à beira-mal espantado – foi o país raptado
enquanto os políticos e a nata almoçavam
crème de la crème à beira-mar das férias
e do ócio acumulado.
pouca gente sobrou para assistir à tragédia.
há quem compreenda e lastime a sua dor
e há quem os acuse lhes aponte o dedo aos malandros
nada menos que doutorandos de negligência
e que nisso reincidiam mesmo ano após ano
afundando as contas no mar negro do défice
enjeitando a justiça e a educação
enquanto as crianças cresciam ainda
na esperança de um futuro. doce e ingénua ilusão.
agora ninguém sabe dele – apenas um estrangeiro que trabalhava
nas obras do projecto de construção do escadote
mais alto do mundo – recorde com o qual o país concorria ao guiness –
diz acreditar que o viu passar ao longe
de mão dada com um senhor que parecia o Tio Sam
mas não tem a certeza pelo menos
foi o que adiantou aos jornalistas espanhóis
esclarecendo que ali fora parar quando do alto
do seu trabalho espreitou a oportunidade para dar o salto
e mais não disse senão que o desculpassem
que tinha de ir aos urinóis.
quanto aos emigrantes espalhados pelo mundo que sonhavam um dia
voltar a casa choram o fado e o destino conjurado. no âmbito
secreto das suas investigações
afirma a polícia internacional que
Espanha naturalmente é o suspeito número um –
dizem as más línguas que nunca engoliram muito bem
as histórias de Badajoz, Olivença e aquilo dos flipes
engasgando-se também com os resultados do hóquei
em patins. o rei isto ouvindo
enquanto embala os netos sentindo-se beliscado
é claro e corta a direito em castelhano escorreito
indigna-se e diz que tal atoarda pode beliscar a imagem
do seu reino referindo aliás que o vizinho sempre foi
muito desleixado esquecendo está de ver
as férias infantis no Estoril outrora amado.
de Inglaterra não se colheu mais sorte na verdade
apenas mau olhado coisa de resto em que o país
do príncipe das orelhas grandes é olheiro e vezado.
a rainha mãe essa preocupava-se antes
em mover cordelinhos – não sei se da renda ou crochê –
para que o neto não se constipe no frio iraquiano.
o facto é que passados os dias
e do país não havendo pistas
da sua memória já pouco resta senão
um conjunto de fotografias em formato de postal
que todos agora procuram e confirmam em imagens
afixadas nas paredes e no jornal
entre um tremoço uma cerveja e um bocejo matinal.
curiosamente e ao contrário de outros casos recentes
– e nisso pelo menos o país foi original – ninguém (a)parece
interessado em oferecer alvíssaras pelo seu paradeiro
fazendo julgar que se tratava o nosso
de um país pardieiro. no entretanto
o tempo impiedoso passa
os pais chorosos fiam-se na virgem
as virgens naturalmente perdem a virgindade
muitas vezes raptada
e as televisões aos poucos vão-se alimentando
de notícias outras
ao fundo da piscina aproveitando
as últimas horas antes da partida
assegurando um jornalista com veia poético-profética
que as esperanças de voltar a ver o país
são menores do que encontrar
o princípio dos incêndios ou a origem
das nuvens. garante contudo
que é preciso não apagar a chama
despede-se diz adeus
acabou-se a mama.

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