5. a desditosa la sallette
O que a Rainha não sabia, e disso não fora informada, era acerca da tal impressão que um dos médicos surpreendera no brilho do olhar da nova Diana. Não era um daqueles brilhos cristalinos, melosos e chorosos, de princesa em visita a campos de refugiados, um brilho de lágrima no canto do olho, mas antes um brilho, como dizer... acutilante, vibrante, um brilho de diamante tocado pela luz do sol. Digamos, uma jactância de luz. Um raio vituperino, febril e seco, cortando como se de uma tesoura sobre papel se tratasse.
«O raio que a parta», disse para o colega uma enfermeira que a custo administrara uma injecção à princesa, para que melhor repousasse e, se possível, sem dores – coisa, de resto, a que príncipes e princesas devem ser subtraídos. Porém, por aquela altura, e três dias tinham passado sobre a fatídica noite do acidente, Diana estava já mais desperta do que um nabo e pronta, prontinha a ir-se dali embora. Como não era tonta, malgrado o seu ar de sonsa o fizesse crer, Diana, reconstruída e refeita do choque sofrido, apercebeu-se que tão cedo não a deixariam sair do hospital. E logo ali congeminou projectos de fuga. Coisa que se mostrava vir a ser mais difícil do que Dustin Hoffman escapar da Ilha do Diabo, ou Clint Eastwood de Alcatraz, pois no hall em frente ao quarto onde se encontrava, apercebia-se de que um grande aparato policial tinha assentado praça. Ora, polícia e mais polícia, não foi fácil à princesa juntar dois mais dois (e muitos mais agentes havia para juntar se necessário fosse, porque aos MI5 se juntavam as tropas da gendarmerie) e chegar à conclusão de que ali havia mão da sogra. O que nada de bom prenunciava.
Mas se qualquer dúvida restava na cabeça da outrora bela princesa acerca das intenções da sogra, secretas e afins, logo elas se dissiparam, no que respeita às suas intenções de fuga, quando certa manhã, ao olhar pela pequena janelinha da porta do seu quarto, vislumbrou uma orelha enorme! Assustada com a ideia de voltar a rever o seu esposo, foi nesse exacto momento que Diana tomou a decisão de fugir do hospital nessa mesma noite. Foi uma decisão que no seu íntimo acatou com uma dor no coração, não pela decisão em si, mas pelo facto de a ter tomado ao ver as orelhas de Carlos, o que no imediato a fez lembrar-se das orelhinhas de Dodi e das lambidelas sussurradas com que as costumava presentear – sem suspeitar, claro está, de que na noite do acidente um cão malvado se alambazara a uma delas qual repasto das Arábias.
Durante o resto do dia Diana fingiu-se sonolenta. Matreira até dizer basta, qual Zeus travestido a cisne seduzindo Leda, Diana evitou assim mais visitas e conversas. À meia-noite (e foi mesmo a essa hora, garante o escritor – eu – que não se trata de expediente useiro e vezeiro em matéria de horários no género literário do terror), porque era essa a hora em que a enfermeira La Salette a vinha ver pela última vez, Diana pôs o seu plano de fuga em prática. Nada de especial. Quando La Salette aproximou a cara da sua, a ver se ela respirava normalmente, Diana puxou rapidamente o tubo do soro que lhe pendia sobre o ombro esquerdo e enrolou-o ao pescoço da desditosa La Salette.
Depois de bem apertar e esperar uns três minutos, para se certificar de que não tinha falhado, e experimentando um estranho gozo ou prazer pelo feito havido, não resistiu a pegar num bisturi ali deixado por incúria e lembrou-se de deixar a sua marca em La Salette; assinando na testa da enfermeira: «DDT». Seria aquela a sua imagem de marca – ali mesmo escolhida, no momento, a laivos de pura inspiração –, a imagem que deixaria nas suas vítimas. Agradava-lhe a ideia: tinha em tempos visto uns filmes de terror com o seu príncipe de Gales (naturalmente que nunca com a cabeça encostada à dele, porque assim nada veria...) e notara que era habitual os assassinos deixarem a sua marca no local do crime ou, no caso, nas suas vítimas.
Nem mais. Se o leitor ainda não reparou, aqui o estatuo sem subterfúgios estilísticos ou mais redundâncias: Diana já não era a mansa e piedosa Diana de antigamente, aquela princesinha de algodão amiga de cantores maricosos a cantar ao piano e concorrente número 1 a santa, rivalizando à altura com a piedosa Madre Teresa das Índias. Ela era agora a perigosa Dirty Diana, nome de guerra que adoptara para vingar as agruras do passado e sentenciar todos aqueles que a tinham feito passar as passas do inferno e, vistas as coisas, perder o seu Dodi. Ah!... Pois, pois claro, tem razão o leitor atento: o T. Sim, o T de DDT. DD, está de ver, é para Dirty Diana, o T... bem, o T, confesso, é só para disfarce. Uma artimanha inventada pela princesa para despistar os polícias incautos. Tanto mais que, se se visse bem, coisa que aqui ao computador não consigo fazer, o T que a princesa assinava não era um T como este, mas antes um T com a perna central elevada ligeiramente acima do travessão em cima: exactamente, em forma de cruz. Uma bandida, esta nova Diana! Nem mais, é claro que, a princípio, todos pensaram estar diante de um qualquer homicida que usasse o famoso DDT (o diclorodifeniltrocoloretano) para exterminar as suas vítimas... Grande matreira! Porquê Dirty Diana? Primeiro, em tributo a um dos seus cantores favoritos, Michael Jackson, naturalmente glosando a canção homónima onde gritava, histérico, justamente esse «Dirty Diana». Depois, porque a nova Diana estava disposta a ser mesmo Dirty.
quinta-feira, 8 de novembro de 2007
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