Um punhado de corridas soltas
Certos dias a literatura me abandona. Olho para meu dia de trabalho e vejo apenas algumas corridas avulsas. Uma passageira recuperando-se de um câncer de mama. Careca, devido à quimioterapia, ela está indo a uma loja especializada em perucas. Disse que não agüenta mais usar chapéus e lenços. Detalhe: leva junto seu sobrinho, com cabelos além dos ombros, que resolveu doar suas madeixas à tia doente. Professora de escola infantil, a passageira está envolvida em polêmica com pais de alunos que acham que o teatro pode induzir seus filhos ao homossexualismo (?). Casal de idosos discutindo entre si. A intolerância de ambos revela a que ponto pode chegar o desgaste de uma relação. Saíram do táxi tão alterados que esqueceram de pagar a corrida. Tive que chamar a dupla à realidade. Passageira quieta. Deu o destino da corrida e encolheu-se no canto do banco. Arrisquei oferecer-lhe meu livro, o Taxitramas. A partir daí o clima se descontraiu. Ficou com um exemplar para presentear o marido, que é jornalista. Mulher levando a mãe, cega, para passear no Jardim Botânico. A senhora idosa, que perdeu a visão há aproximadamente um ano, revelou que exercita os sentidos que lhe sobraram em meio aos sons, aos aromas, às texturas e aos sabores do parque. "Esta é a época das Pitangas!" Jovem jogador de futebol. Um empresário o trouxe da Bahia para tentar a sorte nas categorias de base do Grêmio. Levei-o até o Estádio Olímpico. Ao notar o desinteresse dos garotos que caçavam autógrafos no portão do estádio, meu passageiro sentenciou: "Um dia, eles vão correr atrás de mim". Histórias a granel, que qualquer taxista colhe em uma hora e tanto de trabalho.
quinta-feira, 29 de novembro de 2007
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