domingo, 6 de janeiro de 2008

Luiz Pacheco

«Há em todas as literaturas, em todos os tempos, um tipo de artistas que não sendo criadores de fôlego, não se podendo definir (nem talvez eles o ambicionando) como cumeadas de uma época, duma geração ou movimento estético; tendo-se dispersado ou malbaratado o seu talento; ou a própria existência não lhes consentindo mais largos voos, de que todavia os sabíamos capazes; faltando-lhes, enfim, aquela paciência e tenacidade que são os melhores garantes do génio, - não os devemos considerar figuras menores. Dir-se-á, mais rigorosamente, que são personalidades estimáveis, talvez para darem o tom e o nível a determinada época, geração ou movimento, e a sua obra, diminuta ou discreta, às vezes resiste melhor do que outras, grandiosas e grandiloquentes, à prova do tempo. Percebe-se que viveram desprendidos, que não contraíram (não quiseram ou não puderam contrair) consigo npróprios, com a luz que lhes ia dentro, a disciplina exigida por uma criação deliberada e ambiciosa; que a frivolidade do carácter lhes adoçava, atenuando-a, a vontade criadora - tudo, por vezes, dourado com uma bonomia ou um cepticismo (mascarados de ironia), que tornavam os seus juízos como o seu convívio uma experiência de lucidez e simpatia humanas.»
Publicado em 1964, no Jornal de Letras e Artes, com este texto (aqui incompleto) Luiz Pacheco abordava, homenageando, a breve embora fulgurante passagem e desaparecimento de Daniel Filipe pelas letras portuguesas. Dizia, e bem, mais adiante, que Daniel Filipe tinha amado o amor, «que é coisa raríssima». Quem conheça os escritos de Pacheco sobre a literatura portuguesa sabe que para lá da língua vituperina com que fazia as suas críticas encontrava-se um enorme amor à língua portuguesa, amor esse, justamente, que o fazia ser como era: duro e cru, sarcástico também, mas justamente por tudo isso, por todos admirado.
Ao ler este texto sobre Daniel Filipe, espantosamente penso estar a ler um texto autobiográfico de Luiz Pacheco. Ora vejam se a pele não lhe cabe na perfeição. De caminho, e agora, na morte de Luiz Pacheco, porque não lembrar os versos de Daniel Faria: «Tão próxima a partida!/ Tão cedo para a morte!/ (A secreta ferida/ da vária, esquiva sorte).» (Daniel Filipe, «a invenção do amor e outros poemas», Presença)

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