«Há em todas as literaturas, em todos os tempos, um tipo de artistas que não sendo criadores de fôlego, não se podendo definir (nem talvez eles o ambicionando) como cumeadas de uma época, duma geração ou movimento estético; tendo-se dispersado ou malbaratado o seu talento; ou a própria existência não lhes consentindo mais largos voos, de que todavia os sabíamos capazes; faltando-lhes, enfim, aquela paciência e tenacidade que são os melhores garantes do génio, - não os devemos considerar figuras menores. Dir-se-á, mais rigorosamente, que são personalidades estimáveis, talvez para darem o tom e o nível a determinada época, geração ou movimento, e a sua obra, diminuta ou discreta, às vezes resiste melhor do que outras, grandiosas e grandiloquentes, à prova do tempo. Percebe-se que viveram desprendidos, que não contraíram (não quiseram ou não puderam contrair) consigo npróprios, com a luz que lhes ia dentro, a disciplina exigida por uma criação deliberada e ambiciosa; que a frivolidade do carácter lhes adoçava, atenuando-a, a vontade criadora - tudo, por vezes, dourado com uma bonomia ou um cepticismo (mascarados de ironia), que tornavam os seus juízos como o seu convívio uma experiência de lucidez e simpatia humanas.»
Publicado em 1964, no Jornal de Letras e Artes, com este texto (aqui incompleto) Luiz Pacheco abordava, homenageando, a breve embora fulgurante passagem e desaparecimento de Daniel Filipe pelas letras portuguesas. Dizia, e bem, mais adiante, que Daniel Filipe tinha amado o amor, «que é coisa raríssima». Quem conheça os escritos de Pacheco sobre a literatura portuguesa sabe que para lá da língua vituperina com que fazia as suas críticas encontrava-se um enorme amor à língua portuguesa, amor esse, justamente, que o fazia ser como era: duro e cru, sarcástico também, mas justamente por tudo isso, por todos admirado.
Ao ler este texto sobre Daniel Filipe, espantosamente penso estar a ler um texto autobiográfico de Luiz Pacheco. Ora vejam se a pele não lhe cabe na perfeição. De caminho, e agora, na morte de Luiz Pacheco, porque não lembrar os versos de Daniel Faria: «Tão próxima a partida!/ Tão cedo para a morte!/ (A secreta ferida/ da vária, esquiva sorte).» (Daniel Filipe, «a invenção do amor e outros poemas», Presença)
domingo, 6 de janeiro de 2008
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