quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Grass em Almancil


No próximo dia 10 de Novembro, sábado, Gunter Grass vai estar no Centro Cultural São Lourenço, em Almancil, no Algarve, para ler e assinar o seu famoso e polémico «Descascando a Cebola», que a Casa das Letras editou recentemente. Quanto a mim, parece-me que de toda esta amálgama de recordações, descascadas em muitas páginas, se poderia resumir a três capítulos: «As camadas por debaixo da casca», «Chamava-se nósnãofazemosisso» e «Como aprendi a ter medo». O primeiro, porque é nele que Gunter expõe o que pretende fazer com este livro: «Quero ter a última palavra a dizer». É justo e assiste-lhe. O segundo, porque logo expõe o tom confessional em que irá descascar o passado: «O meu acto não pode ser encolhido ao estatuto de estupidez juvenil. Nenhuma coacção me pendia sobre o pescoço (...) Acreditar nele [Hitler] não custava esforço, era uma brincadeira de crianças.» Isto é, Gunter esconjura o perdão por via de uma culpa colectiva, transpõe de alguma forma o seu pasmo pelo Führer para as influências havidas, enquanto criança, de figuras míticas e guerreiras da história germânica. Era, eram, em suma, putos com demasiada «confusão nas cabeças por baixo do cabelo aparado curto.»
O terceiro capítulo aludido será o mais interessante porque concretiza, em termos de descrição precisa, o modo como milhares de imberbes crianças foram envolvidas neste grotesco filme da história. Crianças que estancaram a sua infância e adolescência sob o clamor das armas, jovens cegos pelas atoardas em torno da supremacia da raça ariana. No mais, é neste capítulo que temos um verdadeiro fresco do teatro de guerra, cenas que se vão intercalando por detalhes, por pinceladas, escorregadelas de lâmina adentrando-se na polpa da cebola: como o episódio em que Gunter, por vingança face a castigos sofridos, num assomo de coragem, ter um dia feito chichi para duas chávenas de café de uns sargentos de terceira. Enternecedor, meu caro Gunter. E pronto, quanto a choros é isto, o restante é memória de vida, pré e pós-guerra, como que atenuando os dissabores das lágrimas. A quem esteja por perto.

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