quarta-feira, 31 de outubro de 2007
Pedro Zamith
Ora aí está, o artista no seu work in progress. É o Pedro Zamith, artista plástico, que tem exposição de novos quadros, até 10 de Novembro, na Galeria de Arte Arqué, em Lisboa, sita na Avenida Miguel Bombarda, nº 120 A. De segunda a sábado, das 11h às 20h00.
Na calada da noite
Grass em Almancil
No próximo dia 10 de Novembro, sábado, Gunter Grass vai estar no Centro Cultural São Lourenço, em Almancil, no Algarve, para ler e assinar o seu famoso e polémico «Descascando a Cebola», que a Casa das Letras editou recentemente. Quanto a mim, parece-me que de toda esta amálgama de recordações, descascadas em muitas páginas, se poderia resumir a três capítulos: «As camadas por debaixo da casca», «Chamava-se nósnãofazemosisso» e «Como aprendi a ter medo». O primeiro, porque é nele que Gunter expõe o que pretende fazer com este livro: «Quero ter a última palavra a dizer». É justo e assiste-lhe. O segundo, porque logo expõe o tom confessional em que irá descascar o passado: «O meu acto não pode ser encolhido ao estatuto de estupidez juvenil. Nenhuma coacção me pendia sobre o pescoço (...) Acreditar nele [Hitler] não custava esforço, era uma brincadeira de crianças.» Isto é, Gunter esconjura o perdão por via de uma culpa colectiva, transpõe de alguma forma o seu pasmo pelo Führer para as influências havidas, enquanto criança, de figuras míticas e guerreiras da história germânica. Era, eram, em suma, putos com demasiada «confusão nas cabeças por baixo do cabelo aparado curto.»
O terceiro capítulo aludido será o mais interessante porque concretiza, em termos de descrição precisa, o modo como milhares de imberbes crianças foram envolvidas neste grotesco filme da história. Crianças que estancaram a sua infância e adolescência sob o clamor das armas, jovens cegos pelas atoardas em torno da supremacia da raça ariana. No mais, é neste capítulo que temos um verdadeiro fresco do teatro de guerra, cenas que se vão intercalando por detalhes, por pinceladas, escorregadelas de lâmina adentrando-se na polpa da cebola: como o episódio em que Gunter, por vingança face a castigos sofridos, num assomo de coragem, ter um dia feito chichi para duas chávenas de café de uns sargentos de terceira. Enternecedor, meu caro Gunter. E pronto, quanto a choros é isto, o restante é memória de vida, pré e pós-guerra, como que atenuando os dissabores das lágrimas. A quem esteja por perto.
O terceiro capítulo aludido será o mais interessante porque concretiza, em termos de descrição precisa, o modo como milhares de imberbes crianças foram envolvidas neste grotesco filme da história. Crianças que estancaram a sua infância e adolescência sob o clamor das armas, jovens cegos pelas atoardas em torno da supremacia da raça ariana. No mais, é neste capítulo que temos um verdadeiro fresco do teatro de guerra, cenas que se vão intercalando por detalhes, por pinceladas, escorregadelas de lâmina adentrando-se na polpa da cebola: como o episódio em que Gunter, por vingança face a castigos sofridos, num assomo de coragem, ter um dia feito chichi para duas chávenas de café de uns sargentos de terceira. Enternecedor, meu caro Gunter. E pronto, quanto a choros é isto, o restante é memória de vida, pré e pós-guerra, como que atenuando os dissabores das lágrimas. A quem esteja por perto.
Sem dúvida, dissuasor
L - O Agente Secreto
L é também o nome de um famoso personagem de Manga japonesa, o Agente Secreto L!!!
L
A terceira temporada da série televisiva «A Letra L» está já a passar na RTP2. Diariamente, já depois da meia-noite, não vá a estação pública ferir as sensibilidades do telespectador. Aqui publico uma fotografia que um destes dias tirei, em fim-de-semana soalheiro, lá para os lados da Expo. Tipo homenagem.
P.S. Curiosidade, via Wikipédia: A letra L surgiu no ano de 343 a.C. . Criada pelos romanos, a letra é mantida até hoje nos alfabetos de países ortitográficos. (...) L é uma consoante lateral alveolar líquida. (...) Em tamanhos de roupa, L significa "large" - grande. A sua origem é o "lamed" dos fenícios, que significava "cajado" e era desenhado pela adaptação do hieroglifo egípcio de um cajado. Na Grécia, recebeu o nome de "lambda" e evolui para o nosso L.
P.S. 1. A atentar, na foto, ao pormenor da localização da letra G. E, claro, ao momento de gozo e prazer.
P.S. 2. O resultado final de tudo isto fez com que a imagem ficasse com o curioso e muito tecnológico nome LG.
Histórias Fulminantes 42
Acreditava piamente que a Terra não era senão uma bola azul à espera que o taco de Deus a enfiasse às três tabelas num dos vários buracos negros da mesa da galáxia.
Sigur Rós
Está quase. Daqui a uma mão de dias, a 5 de Novembro, os Sigur Rós apresentam dois novos trabalhos: o primeiro, «Heima» (“em casa”), um DVD que inclui um documentário sobre a tournée que a banda realizou na Islândia, ao longo de 2006/ 2007. O filme é realizado por Dean Deblois, nada mais nada menos que o homem que foi nomeado para um Óscar pela realização de «Lilo & Stitch» (2002). No mesmo dia sai também «Hvarf-Heim» (mais uma bela palavra...), duplo CD em que, no primeiro disco, se incluem quatro temas, três inéditos e uma revisão da música «Von», e no segundo, se encontrarão seis temas gravados ao vivo em váruios palcos de digressões.
terça-feira, 30 de outubro de 2007
O Dedo de Saramago
Taco a taco
Sim, pode considerar-se que a música de Anna David é dedicada aos golfistas. Pois, e também podia ser para os futebolistas, mas estes ao menos correm!
Nunca gostei de golf
Lê-se, mas quase não se acredita. E para não acharem que invento ou exagero, cito apenas dois excertos noticiosos tirados da Net, isto depois de mosquinha me ter chegado à orelha ao zappar pelo fim-de-semana televisivo e esbarrando com um programa da SIC Notícias, de sua graça Golf Report. Mas, como dizia, lê-se e quase não se acredita:
«Na primeira edição do Portugal Masters, Steve Webster sagrou-se campeão. Filipe Lima terminou na 21ª posição, embolsando 30,750 euros..» Portanto, se bem percebi, o rapaz Lima ficou em 21º lugar e, ainda assim, amealhou 30, 750 euros!
Curioso, vou pesquisar mais sobre o rapaz Lima, e leio, em notícias sobre o corrente ano desportivo do rapaz Lima: «Lima participou em 30 provas do Circuito Europeu, falhou o "cut" por 19 vezes, e não conseguiu qualquer dos grandes objectivos para a época: vencer um torneio e qualificar-se para o Volvo Masters, de Valderrama, prova de fecho da temporada. É a sua pior classificação desde que se tornou membro efectivo do "tour", em Novembro de 2004».
Ok. Ainda assim, fico a saber que o rapaz Lima embolsou, em 2005, 310.464 euros, e em 2006, a módica quantia de 381.222 euros. Portanto, o rapaz Lima, que, ao que concluo do que leio, não dá grande para a caixa, ou para o buraco, ainda embolsa o que embolsa, este ano 314.186 euros.
Não sei porquê, recordo o montante que Gonçalo M. Tavares ganhou recentemente (18 700 euros), ao ser distinguido, entre 200 obras candidatas, de autores brasileiros e portugueses, ao Prémio Portugal Telecom, aquela que é, no Brasil, a maior distinção atribuída a escritores de língua portuguesa.
Rapaz Gonçalo, penso nisto e penso na expressão escrever para o buraco!
Ou desconhecerei o grande legado que o golf deixará à Humanidade?...
Tias e Tios 4 e Final
Razões pelas quais acabei por não gostar do novo romance de Miguel Sousa Tavares:
- Porque senti ter perdido tempo a ler uma não-intriga num livro que mais parece um manual de História da primeira metade do século XX.
- Porque as personagens são incongruentes e pouco consistentes. A começar por Amparo, uma cigana com vontade de criar raízes em terra firme... («Como os ciganos, entre sul e viagem, do outro lado do rio, como ciganos somos de outra margem (...) somos de passagem»... como dizia o poeta Manuel Alegre).
- Porque trata-se muito mais de um tratado das paixões e prazeres de MST.
- Porque esperava muito mais do código genético literário do autor.
- Porque logo, logo se descobre o desenlace da história.
- Porque há uns anos (não há uns anos atrás, como redundantemente se diz no livro) li um conto de MST na revista «O Escritor» que me deixou com boa impressão.
- Porque para fazer de si um escritor não apenas de um só livro, se era para nos dar isto mais valia ter estado quieto.
- Porque de algum modo me sinto enganado pela editora (não por dinheiro gasto, que o livro me foi oferecido enquanto jornalista, mais pelo tempo que nele perdi, podendo estar a ler, por exemplo, o Dino Buzatti que tenho em lista, ou o novo livro de Max Gallo sobre «Nero», os novos contos de Luísa Costa Gomes, entre tantos outros).
- Porque me tinham dito (da editora) que era um grande livro...
- Porque tem (felizmente poucas) descrições patéticas de cenas pretensamente amorosas.
- Porque me parece um livro escrito tijolo a tijolo, leia-se capítulo a capítulo, enviados a conta-gotas para a editora, sem massa substancial capaz de uni-los de forma convincente.
- Porque MST não descola do comentador vituperino que é e chama às personagens e figuras históricas que vão passando pelas páginas o que muito bem lhe apetece, coisa de que o ficcionista se deve abster, de julgar, pelo adjectivo, a História e aqueles que a fizeram, agradem-nos ou não. Que D. Sebastião possa, na sua opinião, ter sido um «imbecil», nada de mal com isso, não tem é o ficcionista de armar-se em sumo julgador da História.
- Porque nunca julguei que MST fosse tão pobre, ao nível da trama romanesca, como uma Margarida Rebelo Pinto (sim, não li «O Equador»)
- Porque o filho de uma poetisa como Sophia não devia usar imagens gastas como as ondas, ou o mar que vem morrer à praia ou às areias...
- Porque um livro com estas debilidades tem 100 mil exemplares de tiragem.
- Porque escrever com técnica não basta. E por vezes nem sequer uma boa ideia basta.
etc.
E, sim, claro, nesta altura já pode bem o autor (e editora) estar a dizer que o problema do blogger é inveja. Será?
- Porque senti ter perdido tempo a ler uma não-intriga num livro que mais parece um manual de História da primeira metade do século XX.
- Porque as personagens são incongruentes e pouco consistentes. A começar por Amparo, uma cigana com vontade de criar raízes em terra firme... («Como os ciganos, entre sul e viagem, do outro lado do rio, como ciganos somos de outra margem (...) somos de passagem»... como dizia o poeta Manuel Alegre).
- Porque trata-se muito mais de um tratado das paixões e prazeres de MST.
- Porque esperava muito mais do código genético literário do autor.
- Porque logo, logo se descobre o desenlace da história.
- Porque há uns anos (não há uns anos atrás, como redundantemente se diz no livro) li um conto de MST na revista «O Escritor» que me deixou com boa impressão.
- Porque para fazer de si um escritor não apenas de um só livro, se era para nos dar isto mais valia ter estado quieto.
- Porque de algum modo me sinto enganado pela editora (não por dinheiro gasto, que o livro me foi oferecido enquanto jornalista, mais pelo tempo que nele perdi, podendo estar a ler, por exemplo, o Dino Buzatti que tenho em lista, ou o novo livro de Max Gallo sobre «Nero», os novos contos de Luísa Costa Gomes, entre tantos outros).
- Porque me tinham dito (da editora) que era um grande livro...
- Porque tem (felizmente poucas) descrições patéticas de cenas pretensamente amorosas.
- Porque me parece um livro escrito tijolo a tijolo, leia-se capítulo a capítulo, enviados a conta-gotas para a editora, sem massa substancial capaz de uni-los de forma convincente.
- Porque MST não descola do comentador vituperino que é e chama às personagens e figuras históricas que vão passando pelas páginas o que muito bem lhe apetece, coisa de que o ficcionista se deve abster, de julgar, pelo adjectivo, a História e aqueles que a fizeram, agradem-nos ou não. Que D. Sebastião possa, na sua opinião, ter sido um «imbecil», nada de mal com isso, não tem é o ficcionista de armar-se em sumo julgador da História.
- Porque nunca julguei que MST fosse tão pobre, ao nível da trama romanesca, como uma Margarida Rebelo Pinto (sim, não li «O Equador»)
- Porque o filho de uma poetisa como Sophia não devia usar imagens gastas como as ondas, ou o mar que vem morrer à praia ou às areias...
- Porque um livro com estas debilidades tem 100 mil exemplares de tiragem.
- Porque escrever com técnica não basta. E por vezes nem sequer uma boa ideia basta.
etc.
E, sim, claro, nesta altura já pode bem o autor (e editora) estar a dizer que o problema do blogger é inveja. Será?
sábado, 27 de outubro de 2007
Tratado Europeu
Que sim, que o Governo tem legitimidade parlamentar para ratificar o novo tratado europeu, sucesso maior da Cimeira de Lisboa. Ou seja, Sócrates, que em campanha eleitoral prometeu fazer um referendo, dá ares de agora vir a dar o dito por não dito. Nada de espantar, típico de qualquer político que se preze. Só chateia um aspecto: por um lado, os Sócrates desta vida dizem que os portugueses estão demasiado dissociados do projecto europeu, por outro, quando se trata de os levar a participar em tudo quanto diga respeito à construção desse mesmo projecto acha-se que eles ainda não estão preparados para isso e, logo, referendos para as urtigas; por falta de conhecimento! Ora, não será um referendo a melhor ocasião para debater aquilo que se acusa os portugueses de não conhecerem? E as promessas, Sócrates, as promessas?
Shirin Neshat
Até 23 de Novembro, a Galeria Filomena Soares, em Lisboa, apresenta a exposição individual «Zarin» de Shirin Neshat. Nascida em Qazvin, no Irão, mudando-se para os Estados Unidos em 1974 (actualmente a viver e trabalhar em Nova Iorque), esta é uma das artistas plásticas que mais aprecio. Já anteriormente conhecidos em Lisboa alguns trabalhos seus (nomeadamente na Culturgest e na mesma galeria onde agora expõe), desta feita, mostra-se o seu mais recente filme, “Zarin”, bem como um grupo de fotografias do mesmo projecto. O trabalho de Shirin Neshat refere-se aos códigos sociais, culturais e religiosos do Islão e da complexidade de certas oposições, tais como o homem e a mulher. Neshat procura muitas vezes resolver tecnicamente este confronto social com a projecção dos filmes dispostos de forma concorrente, criando desta forma contrastes visuais baseando-se em valores tais como Claro/Escuro, Preto/Branco, Macho/Fêmea. «Zarin», de 2005, é a história de uma jovem mulher que trabalha como prostituta desde a sua infância. O filme traça a sua lenta desintegração até ao delírio psíquico. Destruída pela culpa das suas acções e pelo forte desejo de salvação, a sua loucura é manifestada pela sua percepção do mundo em seu redor. Com os homens que se cruzam na sua vida a aparecer sem rosto, os sentimentos de horror, vergonha e culpa apoderam-se desta personagem. Julgando ser uma punição de Deus, ela foge do bordel para um balneário público. Numa atitude de desespero, esfrega a sua carne viva e ensanguentada, tentando desta forma compensar o seu passado, contudo, ela é profundamente afundada na loucura, e por fim luta pela sua redenção.
valter hugo mãe
O meu amigo valter hugo mãe (que gosta de assinar mesmo assim, com letra pequena) ganhou o Prémio Saramago, pelo seu romance «O Remorso de Baltazar Serapião» (Quid Novi). Com justiça: a sua escrita, visceral e crua, poética e sensível, tem um mérito principal: é singular. vhm é também autor do romance «o nosso reino» (Temas e Debates) - onde escreve a história do homem mais triste do mundo -, de nove livros de poesia, é pintor e alimenta um dos blogues (casadeosso.blogspot.com) que mais vou visitando.
Tios e Tias 2
Fora tias e tios, vou gostando deste «Rio das Flores», correnteza de bem contar uma história. Sobretudo isso, um técnico bem contar, sem preocupações com o inovar na escrita. Talvez com uma exagerada preocupação na factualidade e contextualização histórica, talvez com um exagerado pendor pedagógico sobre datas, factos históricos e personalidades, que podiam bem presumir-se como matéria adquirida pelo leitor. No mais, está lá (sobretudo em Diogo) o que se conhece como prazeres de vida de MST: as mulheres, a história, a comida, a caça, a aventura, o apelo do silêncio (o que não deixa de ser contraditório em alguém que é dos opinion makers mais intervenientes na vida nacional). Inevitável, meu caro Miguel?
Tias e Tios 1
Tias e tios que, se alguma vez lerem o livro, não vão gostar muito de muito que ali MST escreve. Sobretudo nas referências à Nossa Senhora da Azinheira... Embora talvez gostem de ler que os portuguess são um povo (como já diziam os romanos, por outros latins) que gosta de ser mandado, de «obedecer e calar»... Depois há o «imbecil, incompetente e irresponsável» do D. Sebastião, o Salazar de voz efeminada, e a padrada sempre a reboque das vantagens de contexto político... Não, não creio que as tias e os tios gostem («Ó Miguel, o Miguel é mauzinho...»). Enfim, presumo que as tias, pelo menos - os tios não sei (alguns, se calhar...) -, irão gostar de outras passagens, nomedamente aquelas em que Miguel fala do «monstro adormecido»... Caro Miguel, neste particular já vi o José Rodrigues dos Santos fazer pior!
Tias e Tios
Antes de ontem fui, sem saber, a um encontro de tias e tios. O lançamento do livro de Miguel Sousa Tavares. «Ai, vou levar já um par.»; «Deve passar-se em Copacabana, mas antes das obras...»; «O Miguel é óptimo.» E aqueles fotógrafos canibais, tristemente canibais?... Miguel, por favor, Marcelo, por favor, Manuel, por favor, bem podiam ter avisado!
quinta-feira, 25 de outubro de 2007
terça-feira, 23 de outubro de 2007
Histórias Fulminantes 41
Depois de anos e anos em guerra, os dois lados da fronteira sentaram-se à mesa das negociações. Ultrapassavam-se divergências, diluíam-se antagonismos, quebravam-se silêncios, esqueciam-se ódios. Já depois do almoço, bem regado a Champanhe e selado com muitas promessas e desejos de um futuro fraterno e radioso, quando os dois líderes se preparavam para assinar o armistício, deu-se um revés assaz grave: por descuido, ao esfregar os olhos, Deus deixara cair uma lente de contacto. Foi então que novas e antigas querelas se reavivaram na mente dos dois contendores. Num compasso de espera, já de esferográficas em punho, os dois homens sustiveram as assinaturas, à sua volta já todos se entreolhando e tossicando baixo. Foi o tempo necessário para que Deus tentasse reaver a sua lente, mas por azar aquela caíra nos oceanos e perdeu-se para sempre. Nesse momento o cessar fogo findou.
quinta-feira, 18 de outubro de 2007
Cimeira
Não, qualquer semelhança entre o vídeo dos Okkervil River e a Cimeira de Lisboa e o divórcio de Sarkozy é mera coincidência.
Histórias Fulminantes 40
Farto de ser invariavelmente passado para segundo plano, um copo de água deu um pontapé na Taça de Portugal. naturalmente que foi a gota de água a entornar as emoções entre os adeptos.
quarta-feira, 17 de outubro de 2007
Outros Silêncios
«Para o meu silêncio que queria perfeito escolhi uma casa a reconstruir e dotei-a das protecções máximas contra os ruídos exteriores. Porém como não tinha sorte nenhuma com os vizinhos - talvez pelo facto de eu pronunciar mal a palavra "maison", eu dizia "mais son" - desta vez, hélas, calhou-me o número mais negro da lotaria e tive uma aldeia toda contra mim.»
Manuel da Silva Ramos, «O Silêncio de Monsieur Ramos»
terça-feira, 16 de outubro de 2007
Parece-me muito bem
VII Semana da Língua Italiana no Mundo
De 22 a 28 de Outubro o Instituto Italiano de Cultura, em Lisboa, abre as portas e propõe um amplo leque de eventos artísticos e culturais que visam apresentar ao público as formas atráves das quais as paisagens e culturas marítimas se reflectem no imaginário da península.
Um ciclo de cinema resume vinte anos de produções fílmicas, desde «O Navio» de Fellini até «Lettere dal Sahara» de Vittorio De Seta. Na aula aberta ao público por Stefano Savio analisar-se-ão as temáticas, as fobias e as paixões de uma Itália que cada vez mais se reflecte nas suas águas. O realizador teatral Luca Aprea encena uma peça com o título de O barco de Pádua para Veneza, com acompanhamento de madrigais venezianos de 1600 e um pintor desenhando painéis ao vivo ao longo da representação. O coreógrafo Jean Paul Bucchieri põe em cena uma leitura dramatizada de poemas italianos e portugueses inspirados ao tema do mar. Ainda haverá um concerto do Bandolim Piano Trio, evocando tradições musicais tipicamente mediterrânicas. Um workshop de gastronomia italiana pelo Bar Tapas Luca proporciona úma excursão gastronómica nos sabores da Sicília. O Restaurante Tavares proporá um menú especial dedicado ao mar. No âmbito da Semana, será também apresentado e projectado o filme-documentário A Ilha de Arlequim de José Medeiros, relato do naufrágio nos Açores de um barco contendo os adereços de cena do Piccolo Teatro de Milão. Leituras animadas de contos de Emilio Salgari serão realizadas para os mais pequenos.
Um ciclo de cinema resume vinte anos de produções fílmicas, desde «O Navio» de Fellini até «Lettere dal Sahara» de Vittorio De Seta. Na aula aberta ao público por Stefano Savio analisar-se-ão as temáticas, as fobias e as paixões de uma Itália que cada vez mais se reflecte nas suas águas. O realizador teatral Luca Aprea encena uma peça com o título de O barco de Pádua para Veneza, com acompanhamento de madrigais venezianos de 1600 e um pintor desenhando painéis ao vivo ao longo da representação. O coreógrafo Jean Paul Bucchieri põe em cena uma leitura dramatizada de poemas italianos e portugueses inspirados ao tema do mar. Ainda haverá um concerto do Bandolim Piano Trio, evocando tradições musicais tipicamente mediterrânicas. Um workshop de gastronomia italiana pelo Bar Tapas Luca proporciona úma excursão gastronómica nos sabores da Sicília. O Restaurante Tavares proporá um menú especial dedicado ao mar. No âmbito da Semana, será também apresentado e projectado o filme-documentário A Ilha de Arlequim de José Medeiros, relato do naufrágio nos Açores de um barco contendo os adereços de cena do Piccolo Teatro de Milão. Leituras animadas de contos de Emilio Salgari serão realizadas para os mais pequenos.
Poema
o medo nervoso
como animal de sangue
acossado pela agonia da noite
o pulso plúmbeo
as mãos minerais
os olhos vítreos intransitáveis
os lábios terra
secos como searas
silabando terror
o corpo despido de nome
e só os dedos
vivos no gatilho bebendo o vento
e o som da madrugada
o soldado assim
soldado a um silêncio
faminto de infância
e de guerras de atirar pedras
chamar nomes
puxar as camisolas
pegar nas bicicletas
e ir para casa
adormecer no colo da mãe
como animal de sangue
acossado pela agonia da noite
o pulso plúmbeo
as mãos minerais
os olhos vítreos intransitáveis
os lábios terra
secos como searas
silabando terror
o corpo despido de nome
e só os dedos
vivos no gatilho bebendo o vento
e o som da madrugada
o soldado assim
soldado a um silêncio
faminto de infância
e de guerras de atirar pedras
chamar nomes
puxar as camisolas
pegar nas bicicletas
e ir para casa
adormecer no colo da mãe
Guerra
«Sessenta e um sangrando, memória de fevereiro acordada denovo com rajadas, colonial chicote ainda zurzir na respiração, grande morte sibilando trêsdias e trêsnoites sem parança.
Sessenta e um memorando na noite antiga!
Adiantaram matar esses comandos?
Sangue de negro lhes caiu nas mãos com maldição!
No primeiro dia se bastaram com prisões. Depois palavra d'ordem era lei a soprar: «é preciso matar esses negros».
Então, jeeps marcaram ferozes caminho de muceque. Perfurando na noite, comandos katerpillaram vala. Sombras rusgaram mais nas portas das cubatas, largando fogo, fogo posto pelas casas, quando não granada de matar, castigando devez sono fingido de família inteira.»
Sessenta e um memorando na noite antiga!
Adiantaram matar esses comandos?
Sangue de negro lhes caiu nas mãos com maldição!
No primeiro dia se bastaram com prisões. Depois palavra d'ordem era lei a soprar: «é preciso matar esses negros».
Então, jeeps marcaram ferozes caminho de muceque. Perfurando na noite, comandos katerpillaram vala. Sombras rusgaram mais nas portas das cubatas, largando fogo, fogo posto pelas casas, quando não granada de matar, castigando devez sono fingido de família inteira.»
Virgílio Alberto Vieira, «Guerrilheiro é Terra Móvel», Centelha
O'Neill
E porque de poetas falamos, relembro o meu preferido de entre todos, o O'Neill - sobre quem, ainda ontem à noite, a RTP2 passou um belo documentário -, e publico aqui três poemas de um livro que lhe tenho escrito e dedicado, de sua graça «O'Neillianas com a Devida Vânia»:
Quid Quisto
é isto
ser português é isto
ficar a olhar para o quisto
e pensar pra que é que eu preciso disto?
Máxima
o Míni(mo) que podes fazer por ti
é um Porsche
As amas e o patrão assinalado
murmuram
maduras
mornas
as mamas da ama
na boca do menino
em chama
antes de ir à cama
porque o patrão
já chama
e se também não mama
reclama
Quid Quisto
é isto
ser português é isto
ficar a olhar para o quisto
e pensar pra que é que eu preciso disto?
Máxima
o Míni(mo) que podes fazer por ti
é um Porsche
As amas e o patrão assinalado
murmuram
maduras
mornas
as mamas da ama
na boca do menino
em chama
antes de ir à cama
porque o patrão
já chama
e se também não mama
reclama
Cesariny
A Susana Paiva traz-me oferta de Manuel Rosa, da Assírio: «Autografia», filme de Miguel Gonçalves Mendes, também livro, com as fotografias da Susana. Depois do belo divertimento televisivo, lembro umas releituras que fiz de alguns dos versos do poeta:
cesariny; dez releituras
I.
Marília Palhinha
já avó
muda a fralda
a Paulinha
já netinha
Marília
Ó Ó
Marília
‘tadinha
II.
ó minha gasta em hasta
esposa... como sofres
e eu... seja... sofro de ver-te
sofrer!
e eu como sofro
de chofre sofro
nas bancadas nos estádios
em estado de sítio
em estado de índio sofro
safa!!!
e eu como o meu sogro
como sofro minha gata
perdão minha gasta em hasta esposa
e eu como sofro
(desculpa enfim a minha
por vezes pesada pata
mas já agora desempata)
e eu como sofro...
III.
queria de ti país isso isso
que passasses além do esquisso
queria de ti país por isso por isso
(e por outras)
queria de ti país
chiça! Viço! Viço!
IV.
de ser arguto
depois de enxuto
papou o fruto
proibido e apetecido
dito feito e conduto
V.
burgueses somos todos nós
desde os netos
burgueses somos todos nós
até aos avós
burgueses somos todos nós
de perna de cão alçada
burgueses somos todos nós
alegres sobre a calçada
burgueses somos todos nós
fumando caros charutos
burgueses somos todos nós
discretos olhando corruptos os putos
burgueses somos todos nós
de vodka carpindo o luto
burgueses somos todos nós
do destino absoluto
VI.
o silêncio é um tigre
há aí quem dele me abrigue?
VII.
um banho tomado a menos
que tomado o mesmo
VIII.
«qsefoda!»,
disse.
e continuou:
bebamos
que para tristezas bastam Ovídeo
e a vid(e)a.
IX.
ssssssssssssssssssssssssssssssss
ssssssssssssssssssssssssssssssss
ssssssssssssssssssssssssssssssss
ssssssssssssssssssssssssssssoneto
ccccccccccccccccccccccccccccccc
ccccccccccccccccccccccccccccccc
ccccccccccccccccccccccccccccccc
ccccccccccccccccccccccccccccheio
dddddddddddddddddddddddddddddddd
dddddddddddddddddddddddddddddddd
ddddddddddddddddddddddddddddddde
ssssssssssssssssssssssssssssssss
ssssssssssssssssssssssssssssssss
sssssssssssssssssssssssssssssono
X.
um tiro na testa
um tiro de besta
uma flecha na cabeça
uma cabeçada na flecha
coisas assim à portugueça
é bom que se convença
somos todos mas é de Olivença
cesariny; dez releituras
I.
Marília Palhinha
já avó
muda a fralda
a Paulinha
já netinha
Marília
Ó Ó
Marília
‘tadinha
II.
ó minha gasta em hasta
esposa... como sofres
e eu... seja... sofro de ver-te
sofrer!
e eu como sofro
de chofre sofro
nas bancadas nos estádios
em estado de sítio
em estado de índio sofro
safa!!!
e eu como o meu sogro
como sofro minha gata
perdão minha gasta em hasta esposa
e eu como sofro
(desculpa enfim a minha
por vezes pesada pata
mas já agora desempata)
e eu como sofro...
III.
queria de ti país isso isso
que passasses além do esquisso
queria de ti país por isso por isso
(e por outras)
queria de ti país
chiça! Viço! Viço!
IV.
de ser arguto
depois de enxuto
papou o fruto
proibido e apetecido
dito feito e conduto
V.
burgueses somos todos nós
desde os netos
burgueses somos todos nós
até aos avós
burgueses somos todos nós
de perna de cão alçada
burgueses somos todos nós
alegres sobre a calçada
burgueses somos todos nós
fumando caros charutos
burgueses somos todos nós
discretos olhando corruptos os putos
burgueses somos todos nós
de vodka carpindo o luto
burgueses somos todos nós
do destino absoluto
VI.
o silêncio é um tigre
há aí quem dele me abrigue?
VII.
um banho tomado a menos
que tomado o mesmo
VIII.
«qsefoda!»,
disse.
e continuou:
bebamos
que para tristezas bastam Ovídeo
e a vid(e)a.
IX.
ssssssssssssssssssssssssssssssss
ssssssssssssssssssssssssssssssss
ssssssssssssssssssssssssssssssss
ssssssssssssssssssssssssssssoneto
ccccccccccccccccccccccccccccccc
ccccccccccccccccccccccccccccccc
ccccccccccccccccccccccccccccccc
ccccccccccccccccccccccccccccheio
dddddddddddddddddddddddddddddddd
dddddddddddddddddddddddddddddddd
ddddddddddddddddddddddddddddddde
ssssssssssssssssssssssssssssssss
ssssssssssssssssssssssssssssssss
sssssssssssssssssssssssssssssono
X.
um tiro na testa
um tiro de besta
uma flecha na cabeça
uma cabeçada na flecha
coisas assim à portugueça
é bom que se convença
somos todos mas é de Olivença
Histórias Fulminantes 39
Estavam os dois chefes índios sentados e a trocar impressões sobre as suas tribos, quando um deles, mais irritado, decide dar com o cachimbo da paz na cabeça do outro iniciando-se assim uma guerra que causou inúmeras mortes.
segunda-feira, 15 de outubro de 2007
Outros Silêncios
«Não abras a boca se não tiveres a certeza de que o que vais dizer é mais belo do que o silêncio».
Provérbio Árabe
Anja
Sim, a menina que canta em baixo chama-se Anja Garbarek, filha, nem mais, do famoso Garbarek do jazz.
Grass
Descascamos, com Günter Grass, a sua cebola, mas a verdade é que não nos caem lágrimas pelas suas.
sábado, 13 de outubro de 2007
Histórias Fulminantes 38
A duquesa de Mantua deslizava pela auto-estrada ao volante do seu BMW série 7. Veloz, muito veloz, despistou-se quando, ao fechar os olhos por momentos, entoava emotivamente La Donna è Bólide.
sexta-feira, 12 de outubro de 2007
Assim vai o mundo
1. Doris Lessing podia não ter escrito página nenhuma na sua vida; depois do seu histórico «Christ...» ao saber que vencera o Prémio o Nobel é-lhe mais do que justo.
2. Al Gore é o Nobel da Paz. Espera-se o recrudescer da guerra aos grandes poluidores.
3. Sócrates é autoritário e começa a apreciar o sabor do poder.
4. Os sub-21 perderam em Baku. Espera-se que os pupilos de Scolari não experimentem igual bateku.
5. Os Au Revoir Simone estarão em Lisboa a 5 de Dezembro. Olá pai natal!
6. Parece que um escritor mexicano foi apanhado pela Polícia em casa quando cozinhava um braço da namorada. Erro: conzinhava uma bela história, embora, para ele, de final imprevisto.
7. Os She Wants revenge têm novo disco: «This is Forever». Outro erro...
2. Al Gore é o Nobel da Paz. Espera-se o recrudescer da guerra aos grandes poluidores.
3. Sócrates é autoritário e começa a apreciar o sabor do poder.
4. Os sub-21 perderam em Baku. Espera-se que os pupilos de Scolari não experimentem igual bateku.
5. Os Au Revoir Simone estarão em Lisboa a 5 de Dezembro. Olá pai natal!
6. Parece que um escritor mexicano foi apanhado pela Polícia em casa quando cozinhava um braço da namorada. Erro: conzinhava uma bela história, embora, para ele, de final imprevisto.
7. Os She Wants revenge têm novo disco: «This is Forever». Outro erro...
Outros Silêncios
«J'écrivais des silences, des nuits, je notais l'inexprimable.»
Victoire, blog Les Silences de Victoire
quinta-feira, 11 de outubro de 2007
Outros Silêncios
«Esta é a fala do homem, uma dor súbita
definitivamente entregue a um deus de água.
Saída do fogo, deitada numa terra onde um
corvo poisa pela manhã, a mulher espera que
alguém a transporte para uma zona de silêncio.»
definitivamente entregue a um deus de água.
Saída do fogo, deitada numa terra onde um
corvo poisa pela manhã, a mulher espera que
alguém a transporte para uma zona de silêncio.»
Jaime Rocha, «Lacrimatória», Relógio d'Água
Dá-me o prazer desta Doris?
Doris Lessing. Acho que o problema será do nome, cheira a romancista de literatura de aeroporto, ou então imagina-se logo o nome a letras douradas sobre uma daquelas capas cor-de-rosa horríveis que costumam ver-se nas mãos dos turistas torrando ao sol nas praias do Verão algarvio, impresso em páginas entre o creme de protecção solar e a caneca de cerveja... Porque, de resto, estou como o Mexia, não mexo no que não sei; pior, não li nem um só livro da senhora. Provavalemente, porque, como muitos, andava a ler outras coisas. Roth, sim. Será que a Academia leu? De qualquer modo, muito bons escritores andarão por estas horas a uivar de inveja por esse mundo fora...
Posta restante
Catalina e a pestana
E porque é que me cheira a vontade de protagonismo este súbito regresso às lides mediáticas de Catalina Pestana, esvoejando nostálgica e descalça na praia enquanto perora sobre a continuidade dos abusos sexuais dentro de uma casa que já não rege nem visita? Não, não gosto do seu ar de padreca, daquele ar de quem é dona da verdade. Cá para mim, a Catalina entrou-lhe foi mas é uma pestana para o olho... Lá está, é a pestana que faz com que Catarina tenha passado a Catalina. Afinal, o l é uma pestana! Mas há lá alguém que se chame Catalina?!!!
Obsessões
Peço desculpa, mas só pode ser gozo para com os incréus. No telejornal da SIC, agora mesmo, ao almoço (provavelmente a ver se o incréu se engasga e vai desta para melhor): «Canonização em risco/ Vaticano tem dúvidas sobre milagres» Mas de que precisa o Vaticano para dissipá-las?: «Nova catedral custa 80 milhões de euros/ Só em 2006 esmolas atingem os 9 milhões e 300 mil euros». Mas há maiores milagres do que estes? Milhares de anónimos que nos venham depositar aos bolsos tais quantias?! Mais, voltando à SIC: «O milagre tem de ser instantâneo, duradouro e absoluto»! Por amor de Deus, «instantâneo, duradouro e absoluto, só mesmo o Nesquick (que por sinal, e por ser da Nestlé - honras à Nestlé -, é o único que eu, celíaco me confesso, posso tomar). E o que pretende o Vaticano fazer para provar essa tal espontaneidade? Enviar uns aleijadinhos para Fátima a ver se as águas bentas lhes fazem algum efeito?... Mas esta gente anda a brincar? E que tal fazer subir o assunto a comissão científica? E que tal aproveitar antes para revelar para onde vai todo o dinheiro das esmolas? Sim, porque deve haver acção social onde gastar o dinheiro! E, já agora, só porque isto me tira um bocado do sério: quando é que alguém faz o milagre de fazer desaparecer (ao contrário, portanto, das pretensas aparições) o tal Monsenhor Luciano Guerra, Reitor do Santuário? Para que conste das suas enormidades, pedindo aqui ajuda ao blog de Fernanda Câncio (5dias.net):
«Não sou dada a coleccionismo, mas há coisas que me fazem abrir excepções. É o caso dos dizeres de Monsenhor Luciano Guerra, Reitor do Santuário de Fátima.
Além dos socos na boca que não interessam nada, aqui ficam mais algumas pérolas da colecção…
«corpos esquartejados de bebés vão aparecer em lixeiras de toda a espécie, ao olhar horrorizado ou faminto de pessoas e de animais» (…) Luciano Guerra considera que a ascensão da esquerda na Europa pode levar a «abortos aos milhões e casamentos de homossexuais aos milhares» (Via Carlos Esperança)
«a castidade é uma urgência» numa sociedade com «multiplicação das ligações, simultâneas e sucessivas». Segundo este responsável, esta «multiplicação de ligações» vai gerando «situações de semi-prostituição, em todos os meios sociais». (…) «Faz-se a apologia do divórcio, desprezando os inocentes, atirados para a valeta, revoltados, deprimidos, acabando na droga, no álcool, na cadeia, no desemprego permanente, no fracasso escolar» (Via Júlio Machado Vaz)
«se o marido engana a mulher, é diferente ser no estrangeiro ou à sua frente». Porque se o faz longe, sabe-se. «Mas se faz o mal onde não há contágio, tem uma atenuante.» (Via Eduardo Prado Coelho)
E mais uma excerto da entrevista publicada na revista Notícias Sábado, do DN de sábado passado - «Tenho para mim que a falta de aproveitamento dos nossos jovens está na sexualidade, que lhes absorve a atenção, mesmo sem estímulos externos, o principal dos quais é a mulher. Você sabe como é a imaginação de um jovem. Ponha agora uma rapariga ao lado e vai ver que ele se distrai mais rapidamente do que com um homem. Os ingleses concluíram isso. Quanto mais você se concentrar num prazer menos tem concentração para aquilo que não lhe dá prazer. É por isso que os drogados coitados, acabam por se drogar noite e dia, porque estão a pensar sempre naquilo. É uma obsessão.»
«Não sou dada a coleccionismo, mas há coisas que me fazem abrir excepções. É o caso dos dizeres de Monsenhor Luciano Guerra, Reitor do Santuário de Fátima.
Além dos socos na boca que não interessam nada, aqui ficam mais algumas pérolas da colecção…
«corpos esquartejados de bebés vão aparecer em lixeiras de toda a espécie, ao olhar horrorizado ou faminto de pessoas e de animais» (…) Luciano Guerra considera que a ascensão da esquerda na Europa pode levar a «abortos aos milhões e casamentos de homossexuais aos milhares» (Via Carlos Esperança)
«a castidade é uma urgência» numa sociedade com «multiplicação das ligações, simultâneas e sucessivas». Segundo este responsável, esta «multiplicação de ligações» vai gerando «situações de semi-prostituição, em todos os meios sociais». (…) «Faz-se a apologia do divórcio, desprezando os inocentes, atirados para a valeta, revoltados, deprimidos, acabando na droga, no álcool, na cadeia, no desemprego permanente, no fracasso escolar» (Via Júlio Machado Vaz)
«se o marido engana a mulher, é diferente ser no estrangeiro ou à sua frente». Porque se o faz longe, sabe-se. «Mas se faz o mal onde não há contágio, tem uma atenuante.» (Via Eduardo Prado Coelho)
E mais uma excerto da entrevista publicada na revista Notícias Sábado, do DN de sábado passado - «Tenho para mim que a falta de aproveitamento dos nossos jovens está na sexualidade, que lhes absorve a atenção, mesmo sem estímulos externos, o principal dos quais é a mulher. Você sabe como é a imaginação de um jovem. Ponha agora uma rapariga ao lado e vai ver que ele se distrai mais rapidamente do que com um homem. Os ingleses concluíram isso. Quanto mais você se concentrar num prazer menos tem concentração para aquilo que não lhe dá prazer. É por isso que os drogados coitados, acabam por se drogar noite e dia, porque estão a pensar sempre naquilo. É uma obsessão.»
Histórias Fulminantes 37
Na loja, Bin Laden vestiu a pele do lobo e gostou de se ver ao espelho. A menina da loja até disse que lhe caía muito bem. Questionado sobre se queria experimentar a pele da avozinha, Bin Laden respondeu que não, que preferia antes experimentar a pele da Capuchinho Vermelho. Felizmente para a Capuchinho a menina da loja foi ver e não tinha o número que servisse ao cliente.
Ao autor
Vai nu o poeta nu? E para onde vai o poeta nu, se é que vai para algum lado? Outra pergunta possível: a ir, chegará a algum lado o poeta nu? E a ir nu, vai realmente nu aquele que todos os dias se veste de palavras? E logo: as palavras servem como roupa? E também: tal como alimentam a alma? Por último: tem frio, o poeta? As palavras aquecem? Ou servem apenas de combustão? O que arde melhor: uma folha em branco ou um livro de poemas? E nas cinzas de cada um, o que encontraremos: o nada? o silêncio? O que pomos de nós quando nos pomos inteiros num poema? Um poema, a arder, é a alma a arder? As palavras têm alma?
Jorge Sousa Braga
Decorrerá amanhã, no Porto, às 18h30m, no Café Piolho (Café Âncora d'Ouro), o lançamento dos livros "O Poeta Nu", de Jorge Sousa Braga e "O Século das Nuvens", de Guillaume Apollinaire (versões de Jorge Sousa Braga). Sousa Braga é um dos meus poetas portugueses favoritos, pelo que sentir-me-ia com sorte se lá pudesse estar. Sorte que não vou ter. De modo que deixo aqui o convite a quem ali possa deslocar-se, tanto mais que poderão ainda desfrutar, na ocasião, da leitura de poemas por parte de Adolfo Luxúria Canibal, João Gesta e Rui Reininho.
Shhhhh...
Porque é que não gosto de blogues com posts que nunca mais acabam e sempre com tanto para dizer?
Ora Bolas!
Cristianos de um lado, Mourinhos de outro... Olhando para a História isto um dia acaba mal. Não sei é se Scolari tem um papel nisto tudo...
quarta-feira, 10 de outubro de 2007
Sic(k)
Já me esquecia. Doentio. Assim vai o país. Há dias, no fim-de-semana, se não me engano, o espanto e a incredulidade perante uma capital que fecha a sua principal avenida ao trânsito para receber o arraial de aniversário de um canal televisivo privado!!! A diarreia pimba chegou à cidade num arrepio de piroseiras, discursos patéticos e gente da casa (dita jornalista) investida ao estatuto de estrelas de trazer por casa. Conclusão: alarga-se a extensão do domínio da luta!
A Outra Margem
Quem também tem novo filme a estrear, e que recomendo vivamente, é Luís Filipe Rocha. «A Outra Margem» é um tratado sobre o modo como ainda hoje se discrimina a diferença e aqueles que são diferentes da correnteza tida por normal. Na imagem, um dos protagonistas, Ricardo, vestido brilhantemente pelo actor Filipe Duarte.
Paul Auster
Quase dez anos volvidos sobre a adaptação cinematográfica de «Lulu on the Bridge», Paul Auster, escritor aqui convertido a realizador, assina mais um belo momento de cinema. Amor, mistério, fantasia, humor q.b, eis a fórmula de sucesso para um filme que traduz na perfeição muito da essência da escrita do autor. A acompanhar a estreia na Sétima, também o lançamento do igualmente mirabolante «Viagens no Scriptorium» (Edições ASA), a que deve igualmente juntar a reedição de «Poemas Escolhidos» (nas Quasi). Junto fotografia que tirei ao senhor (para entrevista a ler na próxima edição da Magazine Artes), ali rente ao Tejo, e imagem do filme em causa.
Outros Silêncios
«Silêncio. Silêncio. Silêncio.
- Hoje estás mesmo a desarrumar o silêncio, Inês...»
- Hoje estás mesmo a desarrumar o silêncio, Inês...»
«Cântico do Crime», Joëlle Ghazarian», Edições Quasi
O Problema dos Domingos
«- Inês! Como queres tu que um homem como eu, de idade madura, consiga seguir o que tu contas, sobretudo quando esse homem, que sou eu, tem andado a dormir muito mal ultimamente e quando tu misturas tudo?
- Olha, em primeiro lugar porque hoje é domingo, estás a perceber?
(...)
- Faz-te bem sair de casa ao domingo.
- Ah, pois faz.»
- Olha, em primeiro lugar porque hoje é domingo, estás a perceber?
(...)
- Faz-te bem sair de casa ao domingo.
- Ah, pois faz.»
«Cântico do Crime», Joëlle Ghazarian, Edições Quasi
terça-feira, 9 de outubro de 2007
Trazidos na noite
I.
Com a tesoura
recortou a Lua. Depois
deitou-se no quarto crescente.
II.
Desde a ventania
de ontem que tento
desprender-me dos teus cabelos.
III.
Um poeta morreu
uma a uma
caíram as pétalas ao silêncio.
IV.
Grande é o verso
que condensa na sua brevidade
o fulgor do existir.
V.
Ao debruçar-se no poço
olhando o seu reflexo
o velho enrugou as águas.
VI.
Com o que lhe restava
da noite arrendou
um quarto escuro para dormir.
VII.
Quando o primeiro homem
acendeu uma fogueira na Lua
o sol não pôde senão rir.
VIII.
A cigarra fez uma pausa
para um cigarro. Depois
pôs-se a escutar o canto da noite.
IX.
Um sem-abrigo
encolhido de frio
perdeu-se dentro do umbigo.
X.
O vento do Outono
acende o Inverno
das fogueiras.
XI.
Depois de roubar
todas as flores do jardim
o rapaz abriu a escola do paraíso.
XII.
O velho
tinha a pele enrugada
como uma triste madrugada.
XIII.
O ladrão esquecera um pormenor;
ao roubar a lua
ficou sem luz para o caminho.
XIV.
Agora vem o Outono
as árvores preparam
a festa das folhas.
XV.
Vi outro dia um amigo
alheado atravessando um livro
na diagonal não pude falar-lhe.
Com a tesoura
recortou a Lua. Depois
deitou-se no quarto crescente.
II.
Desde a ventania
de ontem que tento
desprender-me dos teus cabelos.
III.
Um poeta morreu
uma a uma
caíram as pétalas ao silêncio.
IV.
Grande é o verso
que condensa na sua brevidade
o fulgor do existir.
V.
Ao debruçar-se no poço
olhando o seu reflexo
o velho enrugou as águas.
VI.
Com o que lhe restava
da noite arrendou
um quarto escuro para dormir.
VII.
Quando o primeiro homem
acendeu uma fogueira na Lua
o sol não pôde senão rir.
VIII.
A cigarra fez uma pausa
para um cigarro. Depois
pôs-se a escutar o canto da noite.
IX.
Um sem-abrigo
encolhido de frio
perdeu-se dentro do umbigo.
X.
O vento do Outono
acende o Inverno
das fogueiras.
XI.
Depois de roubar
todas as flores do jardim
o rapaz abriu a escola do paraíso.
XII.
O velho
tinha a pele enrugada
como uma triste madrugada.
XIII.
O ladrão esquecera um pormenor;
ao roubar a lua
ficou sem luz para o caminho.
XIV.
Agora vem o Outono
as árvores preparam
a festa das folhas.
XV.
Vi outro dia um amigo
alheado atravessando um livro
na diagonal não pude falar-lhe.
Outros Silêncios
«Protecção da poesia
Graças ao sistema de subsidiar os poetas, alcançaram-se no nosso país muitos dos melhores êxitos que o silêncio jamais obteve».
Graças ao sistema de subsidiar os poetas, alcançaram-se no nosso país muitos dos melhores êxitos que o silêncio jamais obteve».
Carta a Carlos Monsiváis
«O Resto é Silêncio», Augusto Monterroso, Oficina do Livro
segunda-feira, 8 de outubro de 2007
Ide à Póvoa!
No próximo Domingo, perto de uma centena de figurantes, vestidos com trajes feitos à mão, segundo reproduções da época, vão participar num cortejo renascentista, na Póvoa de Varzim. A animação que teria tido um acontecimento destes e a possibilidade de assistir à passagem do cortejo real de D. Manuel I vão encher de vida e colorido as ruas da cidade, no dia 14, a partir das 15h30. Pelos anos de 1500, o rei D. Manuel I terá ido em peregrinação a Santiago de Compostela e, apesar de não se saber qual o caminho que terá seguido para ir até à cidade galega, admite-se que terá pernoitado em Vila do Conde, passando, em seguida, pela Póvoa de Varzim. Para este cortejo foram desenhados e confeccionados 70 fatos completos, todos feitos à mão e com tecidos que se procurou fossem o mais aproximados possível aos da época, o século XVI. O cortejo irá percorrer a cidade desde a zona sul até ao norte, cumprindo o seguinte itinerário: Largo da Lapa, Rua 31 de Janeiro, Praça da República, Rua da Junqueira, Rua dos Cafés, Passeio Alegre e Avenida dos Descobrimentos.
Histórias Fulminantes 36
Sinal dos tempos: Penélope, farta de esperar por Ulisses, decidiu modernizar-se e trocar as agulhas e linhas por jogos de computador. Ainda assim, fiel à lenda, esperou pelo seu amado. Ainda assim, quando ele chegasse não se livraria de uma boa conversa, em banda larga...
sábado, 6 de outubro de 2007
doclisboa
«Enemies of Hapiness»
«These Girls»
De 18 a 28 de Outubro, a Culturgest, Cinemas Londres e São Jorge, em Lisboa, recebem a 5ª edição do doclisboa. Aqui, resumida antecipação de alguns documentários já vistos e a ver.
These Girls [Competição Internacional]
De Tahani Tached
66´ Egipto 2006
Estreado no festival de Cannes 2006, "These Girls" leva-nos até ao universo das raparigas adolescentes que vivem nas ruas do Cairo. Estas mulheres, crianças ou mães, também mães e crianças ao mesmo tempo, desafiam diariamente os mais variados perigos e preconceitos sociais. As ruas e os jardins onde dormem são um universo de violência, medo e liberdade. Da vida como um constante desafio e provação, da condição da mulher enquanto motor de vida e luta.
De Tahani Tached
66´ Egipto 2006
Estreado no festival de Cannes 2006, "These Girls" leva-nos até ao universo das raparigas adolescentes que vivem nas ruas do Cairo. Estas mulheres, crianças ou mães, também mães e crianças ao mesmo tempo, desafiam diariamente os mais variados perigos e preconceitos sociais. As ruas e os jardins onde dormem são um universo de violência, medo e liberdade. Da vida como um constante desafio e provação, da condição da mulher enquanto motor de vida e luta.
La liste de Carla [Investigações]
De Marcel Schupbach
95´Suíça 2006
No Tribunal Penal Internacional, Carla Del Ponte esforça-se por conseguir a prisão dos últimos responsáveis pelas maiores atrocidades cometidas durante a guerra na ex-Jugoslávia: Ratko Mladic, Radovan Karadzic e Ante Gotovina. "La Liste de Carla" foi o primeiro documentário a ter acesso ao interior do TPI e a poder seguir o trabalho quotidiano ali levado a cabo para capturar aqueles homens. Processo feito de inúmeros avanços e recuos, a história da maior caça ao homem de todos os tempos é também uma investigação sobre os limites da justiça internacional e do TPI. Documentário sobre uma história in progress, para relembrar uma ferida ainda demasiado viva para ser esquecida.
De Marcel Schupbach
95´Suíça 2006
No Tribunal Penal Internacional, Carla Del Ponte esforça-se por conseguir a prisão dos últimos responsáveis pelas maiores atrocidades cometidas durante a guerra na ex-Jugoslávia: Ratko Mladic, Radovan Karadzic e Ante Gotovina. "La Liste de Carla" foi o primeiro documentário a ter acesso ao interior do TPI e a poder seguir o trabalho quotidiano ali levado a cabo para capturar aqueles homens. Processo feito de inúmeros avanços e recuos, a história da maior caça ao homem de todos os tempos é também uma investigação sobre os limites da justiça internacional e do TPI. Documentário sobre uma história in progress, para relembrar uma ferida ainda demasiado viva para ser esquecida.
A Casa do Barqueiro [P]
De Jorge Murteira
63´Portugal 2007
Paulino é o último barqueiro da Amieira do Tejo. Entre as duas margens do rio é ele quem assegura a ligação. Mas raros são os passageiros e a seu posto de trabalho será brevemente extinto pelo poder. Enquanto isso não acontece, Paulino faz da barraca sobre o rio a sua casa improvisada. Vive ao ar livre e só recolhe quando a chuva, o frio ou o vento apertam. Pede e resmunga uma nova casa em condições. Mas quem o ouve? No Inverno e no Outono, aguarda sozinho os clientes perto da fogueira sobre o vale do rio, atento à passagem dos comboios que raramente trazem fregueses. Passam as estações, mantém-se inalterada a bonomia deste derradeiro barqueiro condenado ao inferno da extinção. Um bonito filme que logo, logo será memória.
De Jorge Murteira
63´Portugal 2007
Paulino é o último barqueiro da Amieira do Tejo. Entre as duas margens do rio é ele quem assegura a ligação. Mas raros são os passageiros e a seu posto de trabalho será brevemente extinto pelo poder. Enquanto isso não acontece, Paulino faz da barraca sobre o rio a sua casa improvisada. Vive ao ar livre e só recolhe quando a chuva, o frio ou o vento apertam. Pede e resmunga uma nova casa em condições. Mas quem o ouve? No Inverno e no Outono, aguarda sozinho os clientes perto da fogueira sobre o vale do rio, atento à passagem dos comboios que raramente trazem fregueses. Passam as estações, mantém-se inalterada a bonomia deste derradeiro barqueiro condenado ao inferno da extinção. Um bonito filme que logo, logo será memória.
Metamorfoses [Portugueses]
De Bruno Cabral
48´Portugal 2007
Um documentárioque acompanha a encenação de uma adaptação de "A Metamorfose", de Franz Kafka, pela companhia de teatro Crinabel. A companhia, que atingiu inúmeros sucessos ao longo dos seus vinte anos de existência, reúne um elenco de 14 actores. Tudo isto seria relativamente banal se a companhia não fosse formada maioritariamente por actores com deficiências mentais e trissomia 21. De que forma se processa o delicado trabalho de criação deste espectáculo? Que expectativas individuais e de grupo se geram à volta desta criação? Como é que cada um enfrenta e tenta superar os seus medos e dificuldades? Um filme sobre a diferença, o ser diferente e o tentar esbater ou mitigar essa diferença, filme que poderia muito bem ser visto em complemento do filme de Luís Filipe Rocha, «A Outra Margem», também este mês a estrear.
De Bruno Cabral
48´Portugal 2007
Um documentárioque acompanha a encenação de uma adaptação de "A Metamorfose", de Franz Kafka, pela companhia de teatro Crinabel. A companhia, que atingiu inúmeros sucessos ao longo dos seus vinte anos de existência, reúne um elenco de 14 actores. Tudo isto seria relativamente banal se a companhia não fosse formada maioritariamente por actores com deficiências mentais e trissomia 21. De que forma se processa o delicado trabalho de criação deste espectáculo? Que expectativas individuais e de grupo se geram à volta desta criação? Como é que cada um enfrenta e tenta superar os seus medos e dificuldades? Um filme sobre a diferença, o ser diferente e o tentar esbater ou mitigar essa diferença, filme que poderia muito bem ser visto em complemento do filme de Luís Filipe Rocha, «A Outra Margem», também este mês a estrear.
Enemies of Happiness [Vento Norte]
De Eva Mulvad
58´Dinamarca 2006
Malalai Joya, uma mulher afegã de 28 anos, é candidata às eleições da assembleia nacional afegã. Trata-se da primeira eleição parlamentar democrática no Afeganistão em 30 anos. Rodeada de seguranças, a candidata tenta defender as suas ideias políticas apesar de ter sobrevivido a quatro tentativas de assassinato e receber constantemente ameaças de morte. Ao longo da campanha, encontra-se todos os dias com mulheres que lhe fazem parte da sua vida e das suas dificuldades diante da câmara. Um retrato único das condições de vida no Afeganistão, destruído pela guerra, e onde as tradições têm ainda um peso determinante. Como pode a democracia vingar num país onde os votos são comprados e onde as mulheres não têm condições para votar livremente? Um filme que nos recorda que a democracia não pode ser imposta pela simples presença de diplomatas e de soldados ocidentais. Vencedor do Grande Prémio do Júri no Festival de Sundance em 2007. Um filme sobre a força das mulheres, obrigadas a lutar quase sozinhas contra milenares mentalidades retrógradas, um filme para vergonha dos homens e orgulho feminino.
De Eva Mulvad
58´Dinamarca 2006
Malalai Joya, uma mulher afegã de 28 anos, é candidata às eleições da assembleia nacional afegã. Trata-se da primeira eleição parlamentar democrática no Afeganistão em 30 anos. Rodeada de seguranças, a candidata tenta defender as suas ideias políticas apesar de ter sobrevivido a quatro tentativas de assassinato e receber constantemente ameaças de morte. Ao longo da campanha, encontra-se todos os dias com mulheres que lhe fazem parte da sua vida e das suas dificuldades diante da câmara. Um retrato único das condições de vida no Afeganistão, destruído pela guerra, e onde as tradições têm ainda um peso determinante. Como pode a democracia vingar num país onde os votos são comprados e onde as mulheres não têm condições para votar livremente? Um filme que nos recorda que a democracia não pode ser imposta pela simples presença de diplomatas e de soldados ocidentais. Vencedor do Grande Prémio do Júri no Festival de Sundance em 2007. Um filme sobre a força das mulheres, obrigadas a lutar quase sozinhas contra milenares mentalidades retrógradas, um filme para vergonha dos homens e orgulho feminino.
sexta-feira, 5 de outubro de 2007
Dia dos Animais - Um Conto
O Burro que Queria Namorar
Era uma vez um burro que não era nada burro. Isto é, ele tinha tudo aquilo que caracteriza um burro, o pêlo cinzento, macio e sedoso, as orelhas longas e pontiagudas sempre a dar a dar, e um ar, bem, um ar assim, como dizer... de burro! Porém, ao contrário dos burros normais, isto é, os burros «burros», este era muito, mas mesmo muito inteligente.
Era, na verdade, um burro com muitas qualidades. Entre as suas habilidades, este burro sabia fazer o pino durante 7 segundos – o que é muito bom, já que o recorde do mundo de pinos de burro é de 9 segundos e pertence a um burro chinês de uma família de equilibristas circenses –, sabia dizer adeus com as orelhas e, garantia o seu dono, era mesmo capaz de somar dois mais dois, uma conta verdadeiramente difícil! Para um burro, claro.
Era, por tudo isso, um burro muito especial, pelo que tinha sempre muitas visitas de meninos e meninas que se deslocavam à quinta onde ele vivia para admirarem as suas proezas atléticas e matemáticas. O burro, podemos afirmá-lo, era um burro feliz, pelo menos assim parecia, deixando que as crianças lhe fizessem as festinhas que quisessem e até que montassem nele para um breve passeio pelos campos em volta que ele conhecia na palma da mão, isto é, na palma da pata!
Os seus donos também eram pessoas muito felizes, pois o seu burro inteligente dava-lhes grande ajuda e alegria. O senhor Agostinho, coitadinho, já muito velhinho, e a Dona Agostinha, coitadinha, também já muito velhinha, já não tinham idade nem forças para arar os campos. A vida inteira tinham amanhado as terras sozinhos e mesmo depois, quando compraram um burro pela primeira vez para os ajudar nessa tarefa, a sorte saiu-lhes furada. É que o burro que compraram, esse era mesmo burro! Tanto que lhe puseram o nome de Zuzuto. Para começar, como todos os burros, era teimoso, muito teimoso, e ainda por cima era mandrião, não gostava nada vezes nada de trabalhar, só queria mesmo era ficar à sombra de uma árvore deitado, com um chapéu na cabeça, entretido a mastigar palha com uns grandes dentões amarelados. Depois, quando bem lhe apetecia, deitava a correr pelos campos por cima das colheitas e atrás das tontas das galinhas e só fazia burrada! Está mesmo a ver-se o que lhe aconteceu, na primeira oportunidade o senhor Agostinho, coitadinho, e a senhora Agostinha, coitadinha, foram a uma feira na cidade mais próxima e trataram de o vender.
Foi quando estavam para se vir embora, tristes por terem ficado sem burro, e já a pensar na carga de trabalhos que iam ter pela frente com as sementeiras desse ano, que, ao passarem por um vendedor de burros anão, um belo burrico lhes chamou a atenção. Quando dizemos que o burro lhes chamou a atenção, foi isso mesmo que aconteceu. Está-se mesmo a ver porquê, era o nosso amigo burro inteligente que, ao perceber o estado de desânimo dos dois velhotes, decidiu chamar a sua atenção com um zurro que mais parecia um chamamento. Dir-se-ia que o próprio zurro era um zurro muito inteligente. Não foi preciso mais, o senhor Agostinho, coitadinho, e a senhora Agostinha, coitadinha, apaixonaram-se logo pelo olhar do burro e, com o dinheiro da venda do Zuzuto, compraram aquele burro.
O burro, agradecido, tratou logo de os levar aos dois na garupa de volta para a quinta. Era um burro muito forte e por isso aguentava com duas pessoas em cima, e nem sequer foi por isso que demorou mais tempo na viagem do que se carregasse apenas um dos donos em cima. Houve até um agricultor que ao vê-los passar na estrada pensou que se tratava do primeiro burro Ferrari da história! Foi uma emoção para os dois velhinhos, que desta vez estavam convencidos que tinham acertado na mosca!, perdão, no burro!
E acertaram mesmo. Aquele era um burro como de outro assim nunca se ouvira falar em todo o mundo. Bem, pelo menos ali na região, isto porque, já se sabe, o mundo é muito grande e há-de haver em todo o globo terrestre muitos burros de tal calibre e com capacidades semelhantes. Outro dia, o Senhor Agostinho, coitadinho, contou à Dona Agostinha, coitadinha, que alguém lá no café da aldeia lhe tinha dito que tinha lido num jornal que havia no Japão um burro capaz de andar de patins em linha, e um outro na Tasmânia – vá lá saber-se onde é que esse país fica... – que tinha a mania que era pessoa e por isso andava sempre em pé. “Acho que foi daí que veio a expressão «burro em pé»!” – disse a Dona Agostinha, coitadinha, e o senhor Agostinho, coitadinho, concordou.
O que interessa é que este burro, para os dois, era o melhor e mais inteligente burro do mundo. É que para além de todas as habilidades de que era dotado, para além do bom comportamento e da boa vontade que sempre demonstrava, o Inteligente, como lhe chamaram, nunca dizia que não à lavra dos campos. Corria-os de lés-a-lés e de Sol a Sol e só no fim do trabalho é que ia comer a sua refeição. Que era sempre um belo repasto, diga-se. O Senhor Agostinho, coitadinho, e a Dona Agostinha, coitadinha, estavam-lhe muito agradecidos e por isso presenteavam-no com os melhores petiscos que arranjavam, tudo, claro, a acompanhar pelo melhor feno, pela melhor palha e pela água mais limpa e fresquinha que iam buscar ao ribeiro.
E assim tudo corria na quinta com grande alegria e felicidade. Mas essa alegria não durou para sempre. Certa manhã, o senhor Agostinho, coitadinho, e a senhora Agostinha, coitadinha, reparam que o Inteligente estava com um olhar muito triste e que não se queria levantar. A princípio, não perceberam porquê. Será que o Inteligente estava zangado com eles, que diabo de bicho lhe teria mordido? Se calhar uma mosca, ou então uma abelha, pior, uma cobra! Será que tinha sido mordido por uma cobra? Se calhar sim, pois com aquela embirração com que estava havia de ter sido uma grande mordedura!
O Senhor Agostinho, coitadinho, pôs-se a falar com o Inteligente e como este nada lhe dissesse julgou que a sua própria inteligência não estava à altura de poder falar com um burro, um burro inteligente, claro, porque com outros burros o Senhor Agostinho, coitadinho, sempre falara. Deu voltas e mais voltas à volta do animal, mas nada, ele nem saía do lugar. Os olhos estavam vazios e ausentes, e no canto de um deles via-se mesmo escorrer uma grande gota de água... Água?... Água, não, era uma lágrima, o Inteligente estava a chorar!
Foi então que a experiente e sabedora Dona Agostinha, coitadinha, percebeu logo o que se estava a passar. O Inteligente sentia-se triste porque estava sozinho havia já muitos meses. Como todas as pessoas e como todos os animais, também o Inteligente sentia a falta de companhia. Por outras palavras, ela queria uma namorada! Foi o que a Dona Agostinha, coitadinha, disse ao Senhor Agostinho, coitadinho, e, para seu grande espanto, foi o Senhor Agostinho, coitadinho, que ficou mais vermelho do que um pimento, corando como se fosse uma criança. Os dois velhotes deixaram então o burro a verter águas e mágoas e foram para casa beber um chá, pensando em como resolver a situação.
Não havia solução senão uma, encontrar uma namorada para o Inteligente. E tinha de ser com urgência, pois que os campos não podiam deixar de se lavrar. Mas não ia ser tarefa fácil, tinham de arranjar não uma qualquer burra, como por aí há muitas, mas uma burra que fosse minimamente inteligente. Uma burra que ao menos tivesse um zurrar apresentável e que, se possível, fosse bonita. Decidiram voltar à feira na cidade. Na manhã seguinte, ainda o Sol não tinha acordado, os dois velhotes saíram da quinta em bicos dos pés para não acordarem nenhum animal, isto porque queriam fazer uma surpresa ao seu burro Inteligente. Apesar de todos os cuidados, ao fecharem a cancela de madeira ouviu-se um estalido e ao fundo o Galo Gargalo, como se chamava porque tinha um pescoço que nunca mais acabava, ainda abriu um olho, mas felizmente não se lembrou de cantar a anunciar o dia.
O senhor Agostinho, coitadinho, e a senhora Agostinha, coitadinha, eram muito boas pessoas e gostavam muito do seu burro, estavam-lhe muito gratos por todas as ajudas que ele lhes dera nos últimos tempos e, por isso, não olharam aos preços quando escolheram a companheira para o Inteligente. Compraram a burra mais bonita e mais cara que encontraram e logo ali lhe puseram o nome de Bela. A burra Bela ficou toda contente com os seus novos donos pois também percebeu de imediato que iam ser muito seus amigos. A Dona Agostinha, coitadinha, até lhe pôs logo à volta do pescoço uma coroa de flores, toda colorida e bem cheirosa, para que quando chegasse ao pé do Inteligente este ficasse logo interessado. A burra Bela caminhava rumo à quinta toda contente e satisfeita, vaidosa como nunca, tanto que a cada loja por que passavam ela não deixava de tentar ver o seu reflexo nos vidros das montras. Sonhava mesmo em um dia vir a tornar-se modelo! Bem, lá que era magrinha e jeitosinha, lá isso era... Agora, daí a tornar-se modelo...
Chegaram os três à quinta ainda era manhã cedo. O Galo Gargalo já tinha cantado, as galinhas e os patos já cirandavam a debicar o milho pelo chão, as aranhas já preparavam as suas teias, e as abelhas já tinham começado a procurar pólen nas flores mais bonitas da quinta, pois tinha-lhes chegado uma mensagem da Abelha-Rainha a dizer que tinham tido uma encomenda muito importante e urgente de 20 litros de mel, por isso, queria toda a gente a trabalhar, até mesmo as abelhas mais rezingonas e abelhudas. O senhor Agostinho, coitadinho, e a senhora Agostinha, coitadinha, disseram à burra Bela que não zurrasse até chegarem ao estábulo onde se encontrava o Inteligente ainda a dormir. Foi o que ela fez. Aí chegados, prostrados mesmo à frente das barbas do Inteligente – que, por andar tão triste, nos últimos dias nem sequer tinha encontrado ânimo para fazer a barba –, foi só esperar que ele desse pela sua presença, o que aconteceu logo a seguir.
Quando o Inteligente acordou e olhou para a Bela nem quis acreditar. Parecia que lhe saltava o coração, os olhos arregalaram-se e de um pulo pôs-se em pé, levantando o peito a dar mostras da sua valentia e galhardia. A burra Bela gostou do que viu, percebeu logo, pelo brilho do seu olhar, que se tratava de um burro muito inteligente, para além de ser um belo burro... O senhor Agostinho, coitadinho, e a senhora Agostinha, coitadinha, logo também deram conta de que já estavam ali a mais, pelo que se retiraram para sua casa, fechando a porta do estábulo, deixando assim os dois burros à-vontade para que travassem conhecimento, melhor dizendo, para que acelerassem...
Foi o que aconteceu, em coisa de semanas o Inteligente e a Bela já eram como marido e mulher, para onde um ia, logo o outro se predispunha a ir. Ajudavam-se nas tarefas do campo e partilhavam mesmo, com grande intimidade, o mesmo bebedouro e a mesma manjedoura. O Inteligente, esperto que nem uma raposa, deixava sempre para sua Bela o melhor bocado de feno, no que era um sinal de grande cavalheirismo e amor!... A alegria, como se adivinha, logo, logo voltou à quinta, que agora, em vez de um só burro, tinha dois burros para entreter a criançada. Dois? Só dois?... Bem, isso foi no início, porque passados poucos meses o senhor Agostinho, coitadinho, e a senhora Agostinha, coitadinha, certo dia pela manhã, deitaram a correr para o estábulo onde se surpreenderam com o nascimento de um par de belos burrinhos. A sua alegria foi enorme, tal como a do Inteligente e da Bela que zurravam a bom zurrar, dando assim rédea livre ao seu contentamento. Se juntarmos esses zurros aos zurros dos pequenos burrinhos, vocês são bem capazes de imaginar o berreiro, ou deveríamos dizer antes «burreiro»?
Era uma vez um burro que não era nada burro. Isto é, ele tinha tudo aquilo que caracteriza um burro, o pêlo cinzento, macio e sedoso, as orelhas longas e pontiagudas sempre a dar a dar, e um ar, bem, um ar assim, como dizer... de burro! Porém, ao contrário dos burros normais, isto é, os burros «burros», este era muito, mas mesmo muito inteligente.
Era, na verdade, um burro com muitas qualidades. Entre as suas habilidades, este burro sabia fazer o pino durante 7 segundos – o que é muito bom, já que o recorde do mundo de pinos de burro é de 9 segundos e pertence a um burro chinês de uma família de equilibristas circenses –, sabia dizer adeus com as orelhas e, garantia o seu dono, era mesmo capaz de somar dois mais dois, uma conta verdadeiramente difícil! Para um burro, claro.
Era, por tudo isso, um burro muito especial, pelo que tinha sempre muitas visitas de meninos e meninas que se deslocavam à quinta onde ele vivia para admirarem as suas proezas atléticas e matemáticas. O burro, podemos afirmá-lo, era um burro feliz, pelo menos assim parecia, deixando que as crianças lhe fizessem as festinhas que quisessem e até que montassem nele para um breve passeio pelos campos em volta que ele conhecia na palma da mão, isto é, na palma da pata!
Os seus donos também eram pessoas muito felizes, pois o seu burro inteligente dava-lhes grande ajuda e alegria. O senhor Agostinho, coitadinho, já muito velhinho, e a Dona Agostinha, coitadinha, também já muito velhinha, já não tinham idade nem forças para arar os campos. A vida inteira tinham amanhado as terras sozinhos e mesmo depois, quando compraram um burro pela primeira vez para os ajudar nessa tarefa, a sorte saiu-lhes furada. É que o burro que compraram, esse era mesmo burro! Tanto que lhe puseram o nome de Zuzuto. Para começar, como todos os burros, era teimoso, muito teimoso, e ainda por cima era mandrião, não gostava nada vezes nada de trabalhar, só queria mesmo era ficar à sombra de uma árvore deitado, com um chapéu na cabeça, entretido a mastigar palha com uns grandes dentões amarelados. Depois, quando bem lhe apetecia, deitava a correr pelos campos por cima das colheitas e atrás das tontas das galinhas e só fazia burrada! Está mesmo a ver-se o que lhe aconteceu, na primeira oportunidade o senhor Agostinho, coitadinho, e a senhora Agostinha, coitadinha, foram a uma feira na cidade mais próxima e trataram de o vender.
Foi quando estavam para se vir embora, tristes por terem ficado sem burro, e já a pensar na carga de trabalhos que iam ter pela frente com as sementeiras desse ano, que, ao passarem por um vendedor de burros anão, um belo burrico lhes chamou a atenção. Quando dizemos que o burro lhes chamou a atenção, foi isso mesmo que aconteceu. Está-se mesmo a ver porquê, era o nosso amigo burro inteligente que, ao perceber o estado de desânimo dos dois velhotes, decidiu chamar a sua atenção com um zurro que mais parecia um chamamento. Dir-se-ia que o próprio zurro era um zurro muito inteligente. Não foi preciso mais, o senhor Agostinho, coitadinho, e a senhora Agostinha, coitadinha, apaixonaram-se logo pelo olhar do burro e, com o dinheiro da venda do Zuzuto, compraram aquele burro.
O burro, agradecido, tratou logo de os levar aos dois na garupa de volta para a quinta. Era um burro muito forte e por isso aguentava com duas pessoas em cima, e nem sequer foi por isso que demorou mais tempo na viagem do que se carregasse apenas um dos donos em cima. Houve até um agricultor que ao vê-los passar na estrada pensou que se tratava do primeiro burro Ferrari da história! Foi uma emoção para os dois velhinhos, que desta vez estavam convencidos que tinham acertado na mosca!, perdão, no burro!
E acertaram mesmo. Aquele era um burro como de outro assim nunca se ouvira falar em todo o mundo. Bem, pelo menos ali na região, isto porque, já se sabe, o mundo é muito grande e há-de haver em todo o globo terrestre muitos burros de tal calibre e com capacidades semelhantes. Outro dia, o Senhor Agostinho, coitadinho, contou à Dona Agostinha, coitadinha, que alguém lá no café da aldeia lhe tinha dito que tinha lido num jornal que havia no Japão um burro capaz de andar de patins em linha, e um outro na Tasmânia – vá lá saber-se onde é que esse país fica... – que tinha a mania que era pessoa e por isso andava sempre em pé. “Acho que foi daí que veio a expressão «burro em pé»!” – disse a Dona Agostinha, coitadinha, e o senhor Agostinho, coitadinho, concordou.
O que interessa é que este burro, para os dois, era o melhor e mais inteligente burro do mundo. É que para além de todas as habilidades de que era dotado, para além do bom comportamento e da boa vontade que sempre demonstrava, o Inteligente, como lhe chamaram, nunca dizia que não à lavra dos campos. Corria-os de lés-a-lés e de Sol a Sol e só no fim do trabalho é que ia comer a sua refeição. Que era sempre um belo repasto, diga-se. O Senhor Agostinho, coitadinho, e a Dona Agostinha, coitadinha, estavam-lhe muito agradecidos e por isso presenteavam-no com os melhores petiscos que arranjavam, tudo, claro, a acompanhar pelo melhor feno, pela melhor palha e pela água mais limpa e fresquinha que iam buscar ao ribeiro.
E assim tudo corria na quinta com grande alegria e felicidade. Mas essa alegria não durou para sempre. Certa manhã, o senhor Agostinho, coitadinho, e a senhora Agostinha, coitadinha, reparam que o Inteligente estava com um olhar muito triste e que não se queria levantar. A princípio, não perceberam porquê. Será que o Inteligente estava zangado com eles, que diabo de bicho lhe teria mordido? Se calhar uma mosca, ou então uma abelha, pior, uma cobra! Será que tinha sido mordido por uma cobra? Se calhar sim, pois com aquela embirração com que estava havia de ter sido uma grande mordedura!
O Senhor Agostinho, coitadinho, pôs-se a falar com o Inteligente e como este nada lhe dissesse julgou que a sua própria inteligência não estava à altura de poder falar com um burro, um burro inteligente, claro, porque com outros burros o Senhor Agostinho, coitadinho, sempre falara. Deu voltas e mais voltas à volta do animal, mas nada, ele nem saía do lugar. Os olhos estavam vazios e ausentes, e no canto de um deles via-se mesmo escorrer uma grande gota de água... Água?... Água, não, era uma lágrima, o Inteligente estava a chorar!
Foi então que a experiente e sabedora Dona Agostinha, coitadinha, percebeu logo o que se estava a passar. O Inteligente sentia-se triste porque estava sozinho havia já muitos meses. Como todas as pessoas e como todos os animais, também o Inteligente sentia a falta de companhia. Por outras palavras, ela queria uma namorada! Foi o que a Dona Agostinha, coitadinha, disse ao Senhor Agostinho, coitadinho, e, para seu grande espanto, foi o Senhor Agostinho, coitadinho, que ficou mais vermelho do que um pimento, corando como se fosse uma criança. Os dois velhotes deixaram então o burro a verter águas e mágoas e foram para casa beber um chá, pensando em como resolver a situação.
Não havia solução senão uma, encontrar uma namorada para o Inteligente. E tinha de ser com urgência, pois que os campos não podiam deixar de se lavrar. Mas não ia ser tarefa fácil, tinham de arranjar não uma qualquer burra, como por aí há muitas, mas uma burra que fosse minimamente inteligente. Uma burra que ao menos tivesse um zurrar apresentável e que, se possível, fosse bonita. Decidiram voltar à feira na cidade. Na manhã seguinte, ainda o Sol não tinha acordado, os dois velhotes saíram da quinta em bicos dos pés para não acordarem nenhum animal, isto porque queriam fazer uma surpresa ao seu burro Inteligente. Apesar de todos os cuidados, ao fecharem a cancela de madeira ouviu-se um estalido e ao fundo o Galo Gargalo, como se chamava porque tinha um pescoço que nunca mais acabava, ainda abriu um olho, mas felizmente não se lembrou de cantar a anunciar o dia.
O senhor Agostinho, coitadinho, e a senhora Agostinha, coitadinha, eram muito boas pessoas e gostavam muito do seu burro, estavam-lhe muito gratos por todas as ajudas que ele lhes dera nos últimos tempos e, por isso, não olharam aos preços quando escolheram a companheira para o Inteligente. Compraram a burra mais bonita e mais cara que encontraram e logo ali lhe puseram o nome de Bela. A burra Bela ficou toda contente com os seus novos donos pois também percebeu de imediato que iam ser muito seus amigos. A Dona Agostinha, coitadinha, até lhe pôs logo à volta do pescoço uma coroa de flores, toda colorida e bem cheirosa, para que quando chegasse ao pé do Inteligente este ficasse logo interessado. A burra Bela caminhava rumo à quinta toda contente e satisfeita, vaidosa como nunca, tanto que a cada loja por que passavam ela não deixava de tentar ver o seu reflexo nos vidros das montras. Sonhava mesmo em um dia vir a tornar-se modelo! Bem, lá que era magrinha e jeitosinha, lá isso era... Agora, daí a tornar-se modelo...
Chegaram os três à quinta ainda era manhã cedo. O Galo Gargalo já tinha cantado, as galinhas e os patos já cirandavam a debicar o milho pelo chão, as aranhas já preparavam as suas teias, e as abelhas já tinham começado a procurar pólen nas flores mais bonitas da quinta, pois tinha-lhes chegado uma mensagem da Abelha-Rainha a dizer que tinham tido uma encomenda muito importante e urgente de 20 litros de mel, por isso, queria toda a gente a trabalhar, até mesmo as abelhas mais rezingonas e abelhudas. O senhor Agostinho, coitadinho, e a senhora Agostinha, coitadinha, disseram à burra Bela que não zurrasse até chegarem ao estábulo onde se encontrava o Inteligente ainda a dormir. Foi o que ela fez. Aí chegados, prostrados mesmo à frente das barbas do Inteligente – que, por andar tão triste, nos últimos dias nem sequer tinha encontrado ânimo para fazer a barba –, foi só esperar que ele desse pela sua presença, o que aconteceu logo a seguir.
Quando o Inteligente acordou e olhou para a Bela nem quis acreditar. Parecia que lhe saltava o coração, os olhos arregalaram-se e de um pulo pôs-se em pé, levantando o peito a dar mostras da sua valentia e galhardia. A burra Bela gostou do que viu, percebeu logo, pelo brilho do seu olhar, que se tratava de um burro muito inteligente, para além de ser um belo burro... O senhor Agostinho, coitadinho, e a senhora Agostinha, coitadinha, logo também deram conta de que já estavam ali a mais, pelo que se retiraram para sua casa, fechando a porta do estábulo, deixando assim os dois burros à-vontade para que travassem conhecimento, melhor dizendo, para que acelerassem...
Foi o que aconteceu, em coisa de semanas o Inteligente e a Bela já eram como marido e mulher, para onde um ia, logo o outro se predispunha a ir. Ajudavam-se nas tarefas do campo e partilhavam mesmo, com grande intimidade, o mesmo bebedouro e a mesma manjedoura. O Inteligente, esperto que nem uma raposa, deixava sempre para sua Bela o melhor bocado de feno, no que era um sinal de grande cavalheirismo e amor!... A alegria, como se adivinha, logo, logo voltou à quinta, que agora, em vez de um só burro, tinha dois burros para entreter a criançada. Dois? Só dois?... Bem, isso foi no início, porque passados poucos meses o senhor Agostinho, coitadinho, e a senhora Agostinha, coitadinha, certo dia pela manhã, deitaram a correr para o estábulo onde se surpreenderam com o nascimento de um par de belos burrinhos. A sua alegria foi enorme, tal como a do Inteligente e da Bela que zurravam a bom zurrar, dando assim rédea livre ao seu contentamento. Se juntarmos esses zurros aos zurros dos pequenos burrinhos, vocês são bem capazes de imaginar o berreiro, ou deveríamos dizer antes «burreiro»?
Histórias Fulminantes 34
Notícia de última hora: um Jumbo da Air Zoo chocou com o elefante Dumbo. A Sociedade Protectora dos Animais afirma que todas as revisões do Dumbo estavam em dia. Mais adianta que irá interpor uma queixa-crime contra a Air Zoo que, por sua vez, veio já a público questionar as faculdades para o voo da velha personagem de animação.
terça-feira, 2 de outubro de 2007
Por Entre as Linhas
Miguel Palma, «Transbox»
António Olaio, «Dial M for Me»
Ana Jotta, Sem Título
André Guedes, «Pessoas, Grupos, Lugares, Valores e Datas»
Pedro Barateiro, «Aprender de Cor»
Luísa Cunha, «Não é preciso dizer mais nada»
Ana Jotta, Sem Título
André Guedes, «Pessoas, Grupos, Lugares, Valores e Datas»
Pedro Barateiro, «Aprender de Cor»
Luísa Cunha, «Não é preciso dizer mais nada»
Inaugura hoje no Museu das Comunicações, em Lisboa (Rua do Instituto Industrial, 16), ficando patente até Abril próximo, a colectiva de arte contemporânea «Por Entre as Linhas». Sucede por ocasião das comemorações dos 10 anos da Fundação respectiva e a convite de Isabel Carlos, dez artistas portugueses elaboram e mostram o resultado das suas abordagens ao tema. Comunicar, de resto, um verbo que escapa a muitas das obras plásticas contemporâneas que se vão fazendo, assim se distanciando do público. Aqui, oportunidade em simultâneo para conhecer o interessantíssimo espólio do Museu das Comunicações, uma miríade de objectos com os quais se confrontam e relacionam as obras de arte realizadas para a exposição. Para além daqueles com obras aqui reproduzidas, participam ainda Fernando José Pereira, Vasco Araújo e Filipa César.
Gira-Discos
Que dizer da senhora Polly Jean Harvey neste seu regresso aos discos com «White Chalk» senão reputá-la de sublime?! Voz de anjo («The Devil»...), melodias de cristral («Silence»), pianos lúgubres («Grow, Grow, Grow»), ambiências soturnas («Dear Darkness»...), sonoridades sussurradas («When Under Ether»), canções que soam como ecos de lugares sem nome ou tempo («White Chalk»), divagações musico-espirituais («Broken Harp»), jogo de sombras sonoras («To Talk to You»)... Quem disse que PJ já pensava em retirar-se? Bem, na verdade parece realmente tratar-se de um retiro, o resultado de um retiro musical; na verdade, na verdade, um tratado musical. Naturalmente, não para quem afine por melodias TNT de comprar, ouvir e deitar fora.
Subscrever:
Mensagens (Atom)