sexta-feira, 1 de junho de 2007

Tá'se bem. Bute aí kurtir um echame nassional?

Só surpreende vindo de quem vem, do Ministério da Educação. Ou talvez não, talvez não seja mesmo de surpreender, embora, nesse caso, fosse de pensar em alterar a denominação do ministério para Mistério da Educação. Já se sabe que em Portugal há anos e anos que o ensino vem sendo descurado e caindo numa agonia consentida. Assim, como se o Ministério fosse um Doctor Death que assistisse ao lado da cabeceira um pobre Ensino moribundo, ajudando-o, inclusive, a fenecer.
Trata-se de uma agonia que não é de hoje e que encontra fundamento em vários aspectos: a continuada desresponsabilização dos alunos, em grande parte motivada pelas novas teorias socio-pedagógicas (que aparecem assumir que hoje em dia pedir o que quer que seja às crianças é uma violência); a perda de autoridade dos professores perante os alunos (e completa perante os pais destes - os quais quando instados a ir à escola, por qualquer assunto relacionado com os seus filhos, partem do princípio de que a escola é que os trata/ou mal); a degradação dos níveis de exigência ao nível dos programas escolares (os textos de português oriundos de programas televisivos rascas que em tempos surgiram nalguns manuais são disso exemplo); o encerramento de escolas; a degradação dos espaços físicos escolares; a deficiente formação de professores, também, etc.
Curiosamente, todo este panorama tem vindo a degradar-se no tempo de governação socialista. Para quem, recorde-se, o ensino sempre foi tido e dito como uma prioridade e, mesmo, uma paixão (Guterres, lembram-se?), o que hoje se passa não deixa de ser curioso. É certo e sabido, dirão, que as paixões de hoje não são como as de antigamente, vêm e vão ao sabor do vento, e as estatísticas de divórcios em Portugal estão aí para o demonstrar. E, sim, provavelmente isso explicará muitas coisas. Mas não tudo.
Quando, no final dos anos 80, dei aulas durante dois anos em escolas preparatórias no Algarve, já então pude confirmar o cenário que acima referi. Pôr meninos na rua (fora da aula) por mau comportamento, falta de educação ou perturbação da aula, era quase um escândalo. Tinha de ser muito bem justificado, a posteriori, junto do Conselho Directivo o qual nos fazia sentir que o Ministério não apreciava tais estatísticas. Tal como não apreciava que as escolas apresentassem maus índices de sucesso escolar, donde que, mais grave ainda, era dar negativas em quantidade numa turma, mesmo que tal se justificasse. Dar 1, numa escala de 0 a 5, era praticamente impensável - numa das escolas isso era mesmo proibido, por se achar que um aluno jamais fica no grau 1 da apreendizagem, ou seja, aprende sempre alguma coisa - mesmo que os seus exames atestem o contrário. O professor que ousasse dar um 1 sabia, de resto, que iria ter de penar muito em Conselhos de Turma e Directivo, sendo mesmo olhado de soslaio por olhares que questionariam a sua propensão para o ensino. Com azar, teria ainda grandes probabilidades de receber, nos dias seguintes, os esmerados e preocupados pais das crianças respectivas, inquirindo e querendo saber os porquês do insucesso e que mal teriam feito os seus filhos... Quanto a estes, aos alunos, ter 1 ou zero, ir para a rua ou não ir, ia dar ao mesmo, na certeza (em muitos casos) que nas reuniões finais de notas a boa vontade de alguns professores e a latente exigência ministerial do sucesso escolar acabaria por lhes dar a passagem de ano, nem que fosse apenas para o aluno x ou y ficar apenas com o preparatório completo. Aconteceu.
Creio que era Jean Piaget que dizia qualquer coisa do género: quando se falha no treino de um animal a culpa é sempre do treinador, quando se falha no "treino/ ensino" de uma criança a culpa é sempre da criança. Sem prejuízo da verdade das palavras citadas, o que se tem vindo a passar no ensino português é o levar ao máximo dessa máxima, passe a redundância. Com tudo o que de negativo isso encerra, ou seja, à criança de hoje tudo se permite, tudo se compreende, nada se pede, em nada se responsabiliza, em tudo se desculpabiliza. Como se as crianças, hoje em dia, apenas tivessem direitos (que devem tê-los, claro) e nenhuns deveres. É assim o panorama no admirável novo mundo pedagógico em que reinam os ditames de novas ciências educacionais disto e daquilo, pedagogia assim e assada, para aqui e para acolá!
Ora, está de ver que tudo isto vai contra as próprias crianças. É certo e sabido que a hiperprotecção não raro resulta em crianças pouco capazes de sozinhas enfrentarem o mundo moderno. Estranho é ver como um Ministério da Educação pactua com tudo isto. Mais, e pior, fomenta este estado de coisas. É o que se retira desta história recente dos exames nacionais de 9º ano, cujos critérios de avaliação insultam a inteligência de qualquer país avançado. Tudo porque permitem aos alunos que possam amealhar pontos em respostas com «muitas insuficiências» de ordem «ortográfica, lexical, morfológica e sintáctica»!!! E mais nada, senhora ministra? Traduzindo por miúdos, cada vez mais se passa a ideia de que estudar não é preciso, saber não é preciso. Curiosamente, tudo isto vem a lume na época em que o Governo insiste na importância das novas oportunidades, o mesmo Governo que parece não querer apostar sequer nas primeiras oportunidades, que são aquelas que o ensino escolar, em princípio, concede/ deve conceder aos alunos.
É tudo muito claro, quando a Ministra diz que não faz mal dar erros, importa antes interpretar, o que está a fazer é dar um valente pontapé em Fernando Pessoa e em Camões. O que, convenhamos, não deixa de ser espantoso no país que se diz de poetas. Grave é que tais mentes brilhantes ministeriais não percebam, não vejam, não leiam, não interpretem que tais atitudes apenas hipotecam as oportunidades futuras dos alunos com que agora se mostram condescendentes. Mais, hipotecam também as oportunidades futuras do próprio país, pois um país futuro que não tenha gente que saiba falar e escrever correctamente, não é país nem é nada. O que a senhora ministra não percebe é algo de fundamental: é que é a língua (correctamente falada e escrita) que permite chegar ao Outro, é ela que permite o estabelecer de laços, de relações, de interagir, de pensar e interpretar o mundo. E só sabendo ler e escrever (sem falhas) poderão algum dia as crianças de hoje fazer parte desse mundo, isto é, actuando nele activamente e não de uma forma passiva. Que a Ministra da Educação e o Governo não consigam interpretar estas evidências é que causa atordoamento. Em interpretação, por conseguinte, nota Zero. Resta saber se tal gente sabe escrever sem erros...

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