A propósito do humor ou do não-humor enquanto presença na literatura portuguesa, troco conversa emailográfica com Onésimo Teotónio de Almeida, nos States. E envia-me ele um notável poema sobre este lado obscuro e melancólico de ser das letras lusas. Publico o seu início, pedindo licença ao seu dono e retendo sobretudo a brilhante imagem «dar de mamar tristeza aos filhos»:
Prosema a um país merencório
Num pub em Cork um irlandês de rosto triste quis saber se Portugal era melancólico como parecia pergunta ad nauseam ouvida Europa e mundo fora Eu nunca sei bem como explicar esse raio de mistério misterioso do país do sol e mar azul de abraço mediterratlântico logo no berço dar de mamar tristeza aos filhos como se vivessem sob os céus cinzentos da Europa nortenha no longo inverno gelados no frio branco e os rodeasse um mar frígido cor de nuvens Reinventou António Sérgio a roda quando entendeu serem os nossos vates de antanho albergues de melancolia penumbra e mágoa por conta talvez da coita amorosa e de no palor das brumas se arrepiarem com os uivos da ventania pelas solidões nocturnas mundo e alma sobrevoada de medo torvo das emanações do sombrio Basta em relance desfolhar páginas roxas pois já Cesário dissera nas nossas ruas ao anoitecer há tal soturnidade há tal melancolia que as sombras o bulício o Tejo a maresia despertam-me um desejo absurdo de sofrer e é como se todos os dias fossem aqueles domingos terríveis de passar de Alexandre O'Neill o país todo nau dos corvos nau parada de pedra que tanto navega e há tanto está no mar sem nunca ao porto chegar de Ruy Belo ou o de Melo e Castro naquele fragmento de um mapa do lirismo português onde lágrima -lá rima com ama sobra um g de gosto tem um ri de riso amargo onde amar é gosto gasto E mil poetas rimaram com o Mário Sá-Carneiro do nada me expira já nada me vive nem a tristeza nem as horas belas de as não ter e de nunca vir a tê-las fartou-me até as coisas que não tive e com Reinaldo Ferreira contente nunca estou feliz não sei se existe alguém ou neste ou noutro mundo...»
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